terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O eco que preenche todos os lugares

O eco da minha voz é audível independentemente do lugar em que me acho. O meu passaporte deu-me a riqueza de testemunhar diferentes naturezas. Ontem um templo milenar e um glaciar multicolor, hoje uma gruta perturbadora e um deserto de areias quentes, amanhã uma sala de espectáculos e uma plantação de café. Descobri que pouco importa o pano de fundo em que encontro. O eco da minha voz está sempre presente. Haverá por ventura quem não acredite em tal facto. Os maiores cépticos não serão necessariamente os académicos e cientistas, mas sim os impacientes. O eco sempre se escuta, mas como tudo na vida, demora o seu tempo. Tem a sua agenda e horários próprios. Não se adianta, não se atrasa.
A natureza em que nos encontramos, nada mais é que o reflexo do nosso estado de espírito. A confiança e a felicidade conseguem um eco imediato como a música de uma orquestra num concerto de ano novo. A incerteza e a tristeza por sua vez, obtém um eco fugidio como a brisa de vento que agita os velhos castanheiros.
O eco é um acto de fé sobre as nossas próprias palavras. Por vezes não queremos escutar aquilo que sempre soubemos e o eco parece assim não existir. Isto é particularmente evidente quando estamos perante uma paisagem específica: o Ser Humano. Quantas vezes perdemos o rasto de quem somos perante a presença dos outros? A nossa voz parece muda, os nossos ouvidos parecem surdos.
Quantos vazios já todos nós presenciámos? Quantas respostas por dar, resoluções por tomar, caminhos a seguir? A lenta agonia estampada no nosso rosto, o siliêncio férreo cravado no rosto de outrem. E o eco das palavras que dissemos a escapar-se como se perante um hábil ladrão.
As respostas, resoluções e caminhos que ansiosamente precisamos, nada mais são do que as nossas próprias palavras. Todos os dias atento ao retinir das minhas palavras, e mesmo quando me perco, acredito que o meu eco me guiará...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

No lugar comum

Há uma história da qual não faço parte que se desenrola num local aonde não me encontro. Não reconheço o vibrar da minha voz, ou aqueles que dizem ser, os movimentos voluntários do meu corpo. A emoção que inunda a audiência não advém da fornalha dos meus afectos. Nego o meu envolvimento nos andamentos desta composição. É impossível estarmos a falar de mim, pois há muito tempo, que decidi quem querer ser. Não posso por isso ser eu. De forma nenhuma o poderia ser.
Querem no entanto fazer-me crer do contrário. Que até este pequeno texto encontra morada certa no argumento que conduz toda esta encenação. Palavras inseridas no capítulo em que se narra a reflexão do herói. Em que toda a jornada se encontra suspensa numa só questão: "- Serei eu mesmo este que aqui se interroga?". Inúmeros artifícios são burilados para me convencerem que este aqui se trata efectivamente de mim. Afirmam que as minhas falas foram ensaiadas, mesmo quando improviso interjeições de contestação. Que os silêncios suspirados são exactamente o som que se deveria pressentir no guião. Ou que os movimentos nervosos do meu corpo se fundem delicadamente com o cenário de cada trecho. Nada há de artificial, apenas tenho que me deixar levar.
Mas não pode ser. Isto é tudo uma ilusão. Não me deixo enganar assim. O "e de noite, de noite sonho contigo" não existe. Apenas é real o "não te quero, eu digo que não te quero". Por que eu o decidi assim. Não quero esse lugar comum aonde tudo faz sentido. No qual todos se encontram, ou todos para lá caminham. Eu optei pelo trilhar do caminho inverso. Sem olhar para trás e para tudo o que lá existe. E agora dizem-me que isso nada mudou? Que a minha decisão foi apenas a de não querer compreender. Por que este lugar comum não é murado. Que não existem as encostas que acreditei subir. Nunca daqui saí e nunca deixei de ser quem era. Afinal também havia um capítulo da negação em toda esta história...abastado mundo dos emoções...quem sou eu para te dizer que não...

terça-feira, 29 de março de 2011

As noites em que as palavras me despertam

As palavras fazem ouvir-se demasiado alto para as poder ignorar. O sono de alerta que me caracteriza está afinado a ponto de detectar mínimas alterações da realidade. O canto madrugador da cotovia, a criança do 2º andar que precisa de mamar, o vento que passa mais apressado.
Raras não são as vezes em que desperto ao som das minhas palavras. É impossível precisar o momento em que o tumulto se instala no vale dos meus lençóis. A minha inquietação de compreender o mundo obriga-me a dar nomes a todas as coisas, e estas palavras em tropel, tomaram o nome de Indiana Jones. Há sempre uma frágil ponte, feita de lianas e troncos de madeira, que une dois desfiladeiros. De um lado, canibais famintos e mil artefactos a descobrir, do outro, a tranquilidade das paredes de uma universidade. É no centro desta ponte, que liga o sonho à realidade, em que muitas vezes me encontro.
O natural cansaço provocado pelas noites em que as palavras me despertam, é apenas um pequeno pormenor desta fotografia. É um cabelo desalinhado, um atacador desapertado, a fralda fora das calças. Não tem importância alguma. O que é realmente mágico são efectivamente as palavras que descubro nestas noites mal dormidas. Por que representam o casamento perfeito entre o mundo dos sonhos e a realidade. E daí se fazerem ouvir com tanta folia e regozijo como à porta dos adros das igrejas .
Sei exactamente aquilo que irei dizer daqui a pouco. Na verdade, quaisquer simples palavras objectivas bastariam para o efeito pretendido. Mas depois desta noite, tenho agora comigo as melhores palavras que poderia ter. Um desperdício de palavras tão boas para algo tão sem importância.
Lamento imenso a intermitência destas noites em que as palavras me despertam. Em que descubro palavras forjadas no mundo dos sonhos, mas que lambem a mais pura das realidades. Não existem "palavras que nunca te direi". Existem sim palavras por descobrir no interior da corda bamba das nossas vidas. Das reais, das paralelas. Talvez, quem sabe, uma destas noites, encontre por fim as tuas palavras...