terça-feira, 26 de agosto de 2008

O corpo comanda a vida

Sou apaixonado por cinema. Na compartimentação que todos fazemos, os "dramas" são para mim, o objecto máximo deste universo. É inevitável o mergulho no carrocel de emoções que este género de filme provoca. Dou por mim a antecipar um desenlace, a torcer pelo sucesso de uma personagem ou a enamorar-me pela heroína. Ainda ontem me deparei com a caminhada de dois homens vividos, a quem o tempo se iria esgotar, aos braços de um cancro. O filme alerta os sentidos pela descoberta e realização das coisas que realmente nos fazem felizes. Não foi no entanto a mensagem poética que mais prendeu a minha atenção. Foi a forma simples como a personagem descrente encarava a vida: "Não confies num peido". É incontornável o mérito desta lição. Para além de estimular o olfacto, convida à reflexão. Não nos aceitamos enquanto corpo físico. Passamos grande parte do nosso tempo a tentar esconder os nossos defeitos, a silenciar o nosso organismo, a disfarçar as nossas imperfeições. E tudo com que propósito? Para não nos julgarem mal. E esse julgamento é sobre quem somos ou sobre quem parecemos ser? E ainda queremos ser felizes...

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

1/4 menos interessante

Quais são os factos que nos tornam mais ou menos interessantes enquanto indivíduos? Tenho uma leve inclinação a dizer que damos especial valor a factos que nós próprios gostariamos de experienciar. Existem factos que nos são naturalmente impostos, como é o caso da escola em que estudamos, de acompanhar os pais na emigração ou ter as pernas arqueadas. No outro lado da moeda, temos as experiências que são uma opção nossa, como fazer Erasmus, ver determinado filme de acção ou comprar uns jeans pré-lavados.
Já saltei de paraquedas, dei aulas num orfanato em Moçambique, andei num avião de acrobacia, comi 28 sardinhas seguidas de 7 caldo verdes, corri todo nu em Ponta Delgada...estas são apenas algumas experiências que optei realizar na minha vida. Naturalmente que me orgulho mais de umas do que de outras. Também li o Guerra e Paz de Tolstoy. E sempre me orgulhei de o ter feito...até ontem.
Li o Guerra e Paz em 2004. Demorei mais de 6 meses a ler os três volumes que compõem o livro. Quando cheguei ao fim, recordo-me perfeitamente de pensar "está feito", por que na verdade, o livro nunca me prendeu verdadeiramente.
Há dois dias atrás fui conhecer a biblioteca de uma pessoa. Os meus olhos percorreram as estantes ávidos de curiosidade até que esbarraram no Guerra e Paz. A biblioteca continha a mesma edição que eu tenho, com aquela encadernação inconfundível. A única diferença é que na biblioteca havia nada mais nada menos que 4 volumes em vez dos 3 que eu sempre tive.
Não conseguia acreditar no que estava a ver. A princípio tentei enganar-me a mim próprio e pensar que talvez tivessem feito uma edição diferente dividida em 4 volumes. Mas na verdade, percebi logo que estava feito ao bife. A confirmação deu-se no dia seguinte quando recebo um sms com a última frase do 3º volume. Comparei com o meu livro e era tal e qual. A minha mãe disse-me que é possível que o 4º volume se tenha perdido quando fomos viver para a Póvoa de Varzim (e já lá vão 26 anos), mas que se recorda perfeitamente como o livro termina, com a reunião do amor de Pedro e Natascha.
A lição que tiro desta história é que Tolstoy é na verdade um escritor brilhante. A forma como acaba o 3º volume foi suficientemente boa para iludir-me que o livro tinha terminado. Nem a palavra "Fim" foi necessária.
O facto de me ter escapado o último dos 4 dos volumes que compõem o Guerra e Paz, fará de mim uma pessoa menos interessante? Mas quanto menos interessante? Se o a obra são 4 livros e eu li apenas 3, se calhar passei a ser 1/4 menos interessante no que diz respeito à leitura do livro.
Mas a verdade é que não posso limitar estes danos no que toca ao João enquanto leitor do livro. Estes acontecimentos afectam ainda mais o João, enquanto João. E a própria publicação desta história é por isso um tiro no pé. Serei seguramente motivo de chacota por muitos e bons anos. "O gaijo que leu apenas 3 volumes do Guerra e Paz e achou que tivesse chegado ao fim". Realmente que coisa triste que é...mas também não deixa de ser interessante!!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Cartas ao leitor

Estimado Leitor,

Decidi escrever-te pois tens sido um problema na minha vida. As tuas expectativas são demasiado elevadas. Não podes exigir de mim absolutamente nada. A frequência com que escrevo apenas a mim me diz respeito. Do mesmo modo que não podes opinar sobre o conteúdo: "Escreve sobre o Amor João". Este blog é meu e não teu. Não contes comigo. Passa bem.

João


Estimado João,

Tu também és o leitor.

Leitor


Estimado Leitor,

A tua carta foi parca em palavras mas atingiu-me no âmago de quem sou. Fizeste-me compreender que tenho escrito apenas para mim enquanto leitor: "Será que o leitor vai gostar? Compreenderão esta piada? Como se escreve esta palavra?". A matriz deste blog não era certamente esta. Queria um espaço para guardar as ideias que me ocorrem, e dei por mim, mais preocupado com a opinião daqueles que me poderão ler. Reneguei a origem e com isso perdi mil e um raios de sol para escrever. Mas agora acordei com as tuas palavras e agradeço-te por isso. É tempo de escrever quem sou. Posso perder todos os que me seguem. Mas pelo menos um leitor continuará fiel e com isso descobrir-se-á a si próprio ao longo do tempo: Eu próprio.

João