quinta-feira, 21 de agosto de 2008

1/4 menos interessante

Quais são os factos que nos tornam mais ou menos interessantes enquanto indivíduos? Tenho uma leve inclinação a dizer que damos especial valor a factos que nós próprios gostariamos de experienciar. Existem factos que nos são naturalmente impostos, como é o caso da escola em que estudamos, de acompanhar os pais na emigração ou ter as pernas arqueadas. No outro lado da moeda, temos as experiências que são uma opção nossa, como fazer Erasmus, ver determinado filme de acção ou comprar uns jeans pré-lavados.
Já saltei de paraquedas, dei aulas num orfanato em Moçambique, andei num avião de acrobacia, comi 28 sardinhas seguidas de 7 caldo verdes, corri todo nu em Ponta Delgada...estas são apenas algumas experiências que optei realizar na minha vida. Naturalmente que me orgulho mais de umas do que de outras. Também li o Guerra e Paz de Tolstoy. E sempre me orgulhei de o ter feito...até ontem.
Li o Guerra e Paz em 2004. Demorei mais de 6 meses a ler os três volumes que compõem o livro. Quando cheguei ao fim, recordo-me perfeitamente de pensar "está feito", por que na verdade, o livro nunca me prendeu verdadeiramente.
Há dois dias atrás fui conhecer a biblioteca de uma pessoa. Os meus olhos percorreram as estantes ávidos de curiosidade até que esbarraram no Guerra e Paz. A biblioteca continha a mesma edição que eu tenho, com aquela encadernação inconfundível. A única diferença é que na biblioteca havia nada mais nada menos que 4 volumes em vez dos 3 que eu sempre tive.
Não conseguia acreditar no que estava a ver. A princípio tentei enganar-me a mim próprio e pensar que talvez tivessem feito uma edição diferente dividida em 4 volumes. Mas na verdade, percebi logo que estava feito ao bife. A confirmação deu-se no dia seguinte quando recebo um sms com a última frase do 3º volume. Comparei com o meu livro e era tal e qual. A minha mãe disse-me que é possível que o 4º volume se tenha perdido quando fomos viver para a Póvoa de Varzim (e já lá vão 26 anos), mas que se recorda perfeitamente como o livro termina, com a reunião do amor de Pedro e Natascha.
A lição que tiro desta história é que Tolstoy é na verdade um escritor brilhante. A forma como acaba o 3º volume foi suficientemente boa para iludir-me que o livro tinha terminado. Nem a palavra "Fim" foi necessária.
O facto de me ter escapado o último dos 4 dos volumes que compõem o Guerra e Paz, fará de mim uma pessoa menos interessante? Mas quanto menos interessante? Se o a obra são 4 livros e eu li apenas 3, se calhar passei a ser 1/4 menos interessante no que diz respeito à leitura do livro.
Mas a verdade é que não posso limitar estes danos no que toca ao João enquanto leitor do livro. Estes acontecimentos afectam ainda mais o João, enquanto João. E a própria publicação desta história é por isso um tiro no pé. Serei seguramente motivo de chacota por muitos e bons anos. "O gaijo que leu apenas 3 volumes do Guerra e Paz e achou que tivesse chegado ao fim". Realmente que coisa triste que é...mas também não deixa de ser interessante!!

1 comentário:

Anónimo disse...

É engraçado verificar que foste conhecer a biblioteca de uma pessoa...De facto é absolutamente irrelevante.
Fico na dúvida se o Tolstoy é um autor brilhante pelos motivos que alegas, se o livro é a obra prima que tantos fazer crer ou se o leitor é que foi um bocado "bazaroco" (para usar a expressão de uma pessoa) que nem sequer se apercebeu que o livro não tinha terminado...