terça-feira, 29 de março de 2011

As noites em que as palavras me despertam

As palavras fazem ouvir-se demasiado alto para as poder ignorar. O sono de alerta que me caracteriza está afinado a ponto de detectar mínimas alterações da realidade. O canto madrugador da cotovia, a criança do 2º andar que precisa de mamar, o vento que passa mais apressado.
Raras não são as vezes em que desperto ao som das minhas palavras. É impossível precisar o momento em que o tumulto se instala no vale dos meus lençóis. A minha inquietação de compreender o mundo obriga-me a dar nomes a todas as coisas, e estas palavras em tropel, tomaram o nome de Indiana Jones. Há sempre uma frágil ponte, feita de lianas e troncos de madeira, que une dois desfiladeiros. De um lado, canibais famintos e mil artefactos a descobrir, do outro, a tranquilidade das paredes de uma universidade. É no centro desta ponte, que liga o sonho à realidade, em que muitas vezes me encontro.
O natural cansaço provocado pelas noites em que as palavras me despertam, é apenas um pequeno pormenor desta fotografia. É um cabelo desalinhado, um atacador desapertado, a fralda fora das calças. Não tem importância alguma. O que é realmente mágico são efectivamente as palavras que descubro nestas noites mal dormidas. Por que representam o casamento perfeito entre o mundo dos sonhos e a realidade. E daí se fazerem ouvir com tanta folia e regozijo como à porta dos adros das igrejas .
Sei exactamente aquilo que irei dizer daqui a pouco. Na verdade, quaisquer simples palavras objectivas bastariam para o efeito pretendido. Mas depois desta noite, tenho agora comigo as melhores palavras que poderia ter. Um desperdício de palavras tão boas para algo tão sem importância.
Lamento imenso a intermitência destas noites em que as palavras me despertam. Em que descubro palavras forjadas no mundo dos sonhos, mas que lambem a mais pura das realidades. Não existem "palavras que nunca te direi". Existem sim palavras por descobrir no interior da corda bamba das nossas vidas. Das reais, das paralelas. Talvez, quem sabe, uma destas noites, encontre por fim as tuas palavras...