terça-feira, 16 de novembro de 2010

A multiplicação das pequenas coisas

Três cubos de gelo e uma bebida licorosa. Camisola larga e meias grossas com borbotos. Meia luz e fados de Lisboa. Tanta coisa para escrever e a necessidade de recorrer a estes desbloqueadores. Afinal, nem sempre basta olhar para aquele jardim onde agora caem folhas secas. Para o pai que seca o cabelo à filha no balneário da piscina. Ou para o músico que dedilha na passagem subterrânea. Imagens que são matéria prima para os sonhos que depois realizo. No conforto da cadeira do eu, onde há apenas espaço para mim. E estas palavras como sinopse do imaginado.
No mundo do vivido, não posso deixar de brindar à multiplicação das pequenas coisas. Sejam elas uma carteira que foi um pacote de leite gordo, uma empada que ontem era um frango assado, um pano de limpar o pó que sempre tinha sido lençol de flanela.
Mas é a recriação das vivências que me desarma. A capacidade de criar novos enredos em volta de uma mesma história é um convite ao meu interesse. Delicio-me com as novas intrigas, ardis e logros. Sem qualquer facto novo e verdadeiro a acrescentar à história. Como se a mesma tivesse parado no tempo e nada mais houvesse para dizer. Por vezes até as mesmas graças, piadas e gozos. Tudo sempre pincelado por uma criatividade improvisada no momento, que se pode traduzir num tom de voz mais grave, num careta mais ousada ou num esbracejar fora do comum.
E assim volto a rir das mesmas coisas. Por que afinal já não são bem as mesmas coisas. São como folhas novas de Primavera. Mesmo que as raízes destas vivências um dia se encontrem demasiado enterradas para nos podermos lembrar da história original, não há dúvidas da origem dessas folhas. A certeza que num dia, algo se terá vivido.
A arte de fazer render o peixe ou de multiplicar os pães, não é um exercício de nostalgia ou de saborear o tempo que já não volta. É sim o desejo de novas aventuras, empresas e jornadas. Pelo menos, quero acreditar que sim...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

30 anos de queijo

Uma amiga minha completa hoje 30 anos e pediu-me que escrevesse um texto sobre a celebração de tal mítico número. Há pouco mais de um ano discuti este assunto com uma malaia e um alemão numa noite de céu estrelado. Deitados no convés de um barco vietnamita e embalados pelas tranquilas águas do mar da China, descobrimos os fundamentos da magia associada ao festejo de cada década de existência. Recordo-me perfeitamente das ideias que criamos, mas hoje apenas me apetece escrever sobre queijo.
Tenho uma relação platónica com este derivado do leite. Nunca me irei envolver fisicamente com qualquer queijo. Confesso que por vezes chego a vias de facto com uma tórrida Mozzarella, mas isso nada mais é que uma amizade colorida. Eu adorava poder amar o queijo de corpo e alma como ele bem merece. Infelizmente o olfacto e o paladar não permitem que isso aconteça. Por vezes chega até a haver objecções por parte da visão, do tacto e da audição.
O queijo é o único alimento que eu não como. Declinei os convites deste lacticínio nos últimos 30 anos. Todo este tempo já deveria ser mais do que suficiente para o "assunto queijo" não ser sequer mencionado no que diz respeito à minha vida. Mas ainda bem que o queijo continua a estar na minha agenda diária. Seja por um momentâneo lapso familiar ou por uma pergunta de alguém que se acaba de conhecer. O fantástico destes 30 anos de queijo reside exactamente aqui.
Desculpem não concretizar a minha ideia em pormenor, mas agora preciso de sair pois tenho um encontro escaldante com uma Mozzarella derretidinha por mim...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Amanhã é que vai ser

Amanhã é que vai ser. A decisão está tomada. Nada voltará a ser igual. Uma nova vida começa. É tempo de o presente ser o futuro. A revolução chegou.

A tradição mostra o quão actual ainda se encontra. O dogma afirma que as definições são imutáveis. A máxima conta que ganhou o seu estatuto por mérito próprio. A rotina diz que sem mim deixa de fazer sentido. A ordem adverte para os problemas da anarquia. O costume recorda as vezes que o enuncio. A estabilidade aconselha sobre os malefícios da mudança. O hábito admite negociar não se fazer notar tanto. A norma jura que assinou um contrato vitalício. O uso mostra o quanto temos sido felizes juntos. A regra lembra que fui eu que a quis. A doutrina sente que ainda é nova para se reformar. O preceito protesta que foi sempre tudo feito em função dele. O modelo pergunta em quem mais se poderá encaixar. A lei argumenta que as alterações não estão contidas nela. O princípio ri nervosamente do fim que se avizinha.

Talvez deva pensar um dia mais...

A seguir de amanhã é que vai ser...