terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cafe des Amis

Quis o acaso que numa manha fosse parar ao restaurante errado. A minha ideia para o ultimo pequeno almoco na cidade Hoi An era regressar a um restaurante de uma instituicao de solidariedade, no qual ja tinha jantado. Rondei o restaurante com a bicicleta e apercebi-me que ainda estavam fechados. Algumas portas ao lado um homem barrigudo em tronco nu chamou-me para o seu restaurante. Assim conheci Mr. Kim e o seu Cafe des amis. Pareceu-me entrar numa tasca aa moda antiga mas quando ouvi chamar Chocolat ao cachorro os meus sentidos dispararam. Apurada a minha nacionalidade mostraram-me todos os comentarios deixados por Portugueses. As referencias eram favoraveis em todas as linguas. O unico menu que havia era de bebidas e apos a aterragem do cafe na mesa, perguntei timidamente se havia pao. Trouxeram-me uma baguete e uma manteiga, mas a verdade, ee que nao me encheu o olho. Mas a conversa era excelente e a musica francesa que ecoava das colunas tornava o ambiente ainda mais bizarro. Fiquei a saber que Mr Kim era um chefe famoso que passava 6 meses por ano na Europa em apresentacoes gastronomicas! Apos me ter dado a experiementar um doce comprado no mercado, que tambem nao me impressionou, acabei por prometer aparecer para o almoco. O sistema ee bastante simples. A escolha ee entre peixe, carne e vegetariano. Nao ha mais informacao. Depois a magia acontece entre os 5 pratos de comida que colocam aa nossa frente. E todos os dias a magia ee diferente conforme o lado para que o Senhor Kim acorde e aquilo que lhe apeteca cozinhar. Mas antes disso vamos falar de Hoi An. Mais uma cidade patrimonio da Unesco que convida ao passeio. Tudo ee antigo e tudo ee bonito. O que salta mais aa vista nesta cidade ee a importancia da costura. Todas as portas se abrem em alfaiatarias, sapatarias ou modistas. Tudo sao gravatas, sapatilhas, gabardines, fatos, vestidos de noiva, botas de cano alto. De tudo o que se possa imaginar. Basta escolher o modelo na revista preferida e passadas algumas horas ee so fazer a prova. Pelo meio nada melhor que tirar uma soneca na pacatez e vivacidadade desta cidade. Ou entao dar um pulo a todas as casas historicas, templos e museus que a cidade tem para oferecer. Melhor ainda ee ir assistir a um espectaculo de dancas tipicas e passar todo o tempo a fazer olhinhos a uma bailarina para ela perder a concentracao entre risinhos indiscretos.
A minha estadia em Hoi An terminava ontem. Bilhete reservado e mochila feita. Mas foi ontem pela manha que entrei no restaurante errado, que afinal de contas, viria a ser o restaurante certo. De volta ao almoco. A melhor comida que comi desde que deixei Portugal. Um misto de sabores e texturas que fazem fila de espera dentro da nossa boca. Toda uma novidade de emocoes servida com uma atencao e com um carinho nao mensuravel. O Senhor Kim e a sua famila so nao nos leva a comida aa boca, porque enfim. Terminado o almoco fui cancelar o meu bilhete e voltei para o jantar. "Como ja percebi que gostas de peixe, ao jantar vais comer peixe novamente mas tudo diferente". E assim foi. Toda o mesmo ritmo de sensacoes. Desta vez com o restaurante cheio e com o Sr Kim a servir-me como aperitivo "Este ee o meu amigo Portugues que mudou o seu bilhete por causa da minha cozinha". Hoje fui la novamente aa hora do almoco mas ainda de barriga cheia. Depois do cafe tomado o Sr. Kim perguntou-me se eu queria almocar. Pedi desculpa e confessei-lhe que apos o jantar de ontem tinha ido andar quase duas horas de tao cheio que ainda estava. Entre gargalhadas o Sr. Kim la me disse. Vou so preparar-te um pratinho para provares. E assim me trouxe mais uma iguaria acompanhada de um doce fabuloso. Levantei-me para pagar e um dos empregados disse-me que o Sr. Kim tinha ido dormir mas que tinha deixado claras instrucoes que eu nao teria que pagar nada. Cafe des Amis. Nunca um nome fez tanto sentido!









sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Don Quixote

Sempre gostei de brincar ao Carnaval. Vestir outra
pele por um dia. Marchante, pirata, poveirinha, mulher da vida, mimo, espantalho e ate Amalia Rodrigues. Assumi todas estas personagens quando ja era um ser pensante. Continuo a imaginar-me trajado de muitas outras personagens. Com excepcao de uma: Dom Quixote. Da mesma forma que a camisola 23 dos Chicago Bulls seraa sempre do Michael Jordan, o fato de Dom Quixote seraa sempre da minha amiga Melanie LaVita. Nao ha portanto grande coisa a fazer. Mesmo considerando um cenario hipotetico no qual o traje de Dom Quixote nao figure no ceu de Torres Vedras, eu estaria sempre impedido de recriar tal personagem. A graca do Carnaval advem exactamente de sermos
outra pessoa por um dia. Sao demasiados os dias em que me vejo como Dom Quixote, e por isso nao me posso mascarar de mim proprio. Seria Dom Quixote assim tao diferente de todos noos? Sinceramente nao o creio. Conduziu o seu empreendimento com base nas suas crencas. No fundo ee que aquilo que todos noos fazemos. Somos depois julgados por isso... e a julgar a diferenca somos todos especialistas. Se as apreciacoes sobre Dom Quixote nao passam de um romance, ja o julgamento de Galileu pouco tem de ficcao.

Eu acredito nos gigantes de Dom Quixote. Eu proprio vi gigantes aa deriva nas aguas de Halong Bay. Suspensos na neblina do Mar da China prontos
a esmagar os barcos mais atrevidos.
Teraa Dom Quixote ignorado o Antigo Testamento no meio do seu fascinio
por livros de cavalaria? Se o tivesse lido saberia que o pequeno David derrubou o gigante Golias por intermedio de uma funda. Talvez o facto de ter investido contra os gigantes os mesmo se tenham transformado em moinhos de vento. Nunca se saberaa a verdade. E a verdade vem da experiencia. Como a que Noe teve a quando do diluvio ou a que eu tive apos um dia de chuva da cidade de Hue.




segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Carpete vermelha

A introducao a um paiis ee sempre algo de peculiar. Ainda mal tinha posto os pes em terra e ja estava envolvido no Vietname. O taxi que me levou ate ao centro de Hanoi ate parecia um embaixador do transito local. Nada melhor que duas inversoes de marcha em plena autroestrada. Sem luz para nao encadear os outros veiculos e bem chegadinho aa esquerda para podar o arvoredo da berma. Passada mais de uma hora de conducao avisto finalmente os meus amigos Fernando e Elena que ja me esperavam nas escadas do hotel. Mas ate ao taxista perceber que tinha de parar ainda andamos uns duzentos metros. Depois dos abracos da praxe o primeiro grande desafio. Sempre me considerei um verdadeiro expert no que toca a atravessar estradas, mas aqui nao ha regras, prioridades ou cedencias. Ee cada um por si. So consigo comparar isto a algumas romarias nacionais como o S. Pedro da Povoa, as Feiras Novas de Ponte de Lima ou o Carnaval de Torres. Mas nesses casos apenas ha peoes. Nunca vi tanta mota na minha vida e elas aparecem aos magotes e vindas de todo o lado. Iria jurar que ate avistei algumas a vir do ceu. Os meus amigos decidem entao encaminhar-me para um bar. Mas nao um bar qualquer. Apelidamos tal espaco como Carpete Bar. O bar nada mais ee que uma simples carpete colocada em cima do passeio. As cervejas aparecem acompanhas de um balde de gelo e uma lula seca ee rasgada em pequenos pedacos. Tudo de geracao espontanea. Nao ha casa de banho, porteiro ou musica ambiente. Ee apenas rua. Amanha o bar poderaa nao estar aqui. Talvez esta rua nao seja boa para negocio. Mas enquanto aqui estaa, noos brindamos ao pulsar desta cidade. E sao inumeras as coisas que ali no chao vivemos. Demasiadas. Nunca caberiam em nenhum verso deste mundo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Voar por cima dos giboes

Nos meus tempos de adolescencia, parava muitas
vezes na pastelaria PaoPovoa. O pedido era quase sempre o mesmo: "uma beijoca". Um bolo com um nome atrevido e com uma cereja a servir de chapeu. A minha aventura no Laos termina com uma cereja de nome Gibbons Experience. A expectativa vinha sendo alimentada desde que me falaram disto na Australia. Tudo comeca com mais uma extenuante caminhada pelo meio da selva. As sanguessugas nao dao descanso a pes portugueses, americanos e neo zelandeses, e o sangue jorra com bom volume. Apos duas horas de esforco chega o primeiro cabo. O arnes ee colocado, a seguranca verificada e depois ee so lancar o corpo pelo ar. Entre gritos de tarzan, palavores e risos desconcertantes, assim se voa por cima da selva. A excitacao estaa literalmente no ar e apos as primeiras licoes de voo, ja toda a gente voa de maquina fotografica em punho. Chegada a noite recolhemos a casa. Mas nao uma casa qualquer. Uma casa construida no topo de uma arvore a mais de 50 metros do chao. Para la chegarmos tambem tivemos que voar. Sao 06h30 e ja estou novamente pendurado. O som metalico do cabo mistura-se com o canto da Natureza numa hamonia perfeita. As caminhadas sao intervaladas com mais cabos e pelas aguas frias de uma piscina natural a que ninguem diz que nao. O cansaco leva-nos a outra casa no topo de outra arvore e a chuva ataca sem parar. A noite vai
caindo e eu desapontado por nao poder fazer mais zippings nesse dia. Faltam 20 minutos para a noite cair por completo e a chuva amaina subitamente. Um dos nossos guias acede a conduzir-me pela floresta numa derradeira volta. Apenas uma americana decide juntar-se a noos! Ee uma sensacao indescritivel poder deslizar nestas condicoes. A selva como nunca a vi. Um misto de ilusoes. O condensado do nevoeiro, o negro do arvoredo e os sons terrificos da chuva a embater na terra. Ao terceiro dia ja ninguem quer saber das sanguessugas. Encontramos zippings ainda mais radicais com vistas inacreditaveis. De uma arvore apenas soltavam-se 4 cabos distintos e era uma sensacao fantastica podermos voar uns sobre os outros! Passei o dia a correr para poder voar o maior numero de vezes. So me lembro de correr tanto quando em crianca fui pela primeira vez a uma aquaparque.
Mortos de cansaco a aventura termina com a viagem de regresso a estrada principal. A chuva grossa que se esbateu, trouxe consigo trabalhos forcados. A pickup ficou atolada varias vezes na lama e tivemos todos que colaborar! A lama abracou-nos a todos e o riso soltou-se uma vez mais. E muito
se riram os passageiros do autocarro de 11 horas em que me meti de imediato. Pois nao ee todos os dias que se ve um camone coberto de lama!

domingo, 11 de outubro de 2009

A cantar ee que a gente se entende

Preciso uma vez mais das palavras que a Katia canta: "e assim fico sentado com as algas a boiar, de queixo na mao pousado, oo meu barquinho parado...". Existem bazaroquices que nao tem descricao. Apesar de uma viagem desta natureza nos dar a conhecer quao saborosos os sapos podem ser, no que toca a engoli-los, so mesmo o correr da plaina do tempo. Cada pessoa reaje de forma diferente no que toca a desagrados.
Ha quem se comporte da seguinte forma:
Jovem Israelita"- No meu paiis quando estaas num tour nao tens de pensar. So tens de seguir o guia pois ele ee pago para pensar por ti"
Quase Trintao Portugues "- Isso significa que se no teu paiis o guia se atirar de uma ponte tu tambem te vais atirar"
Tivemos de atravessar um rio em cima de uma pequena jangada de bambu. O guia tinha dito que deveriam ir tres pessoas de cada vez...e que era aconselhavel tirar os sapatos. O guia salta
para cima da jangada. Ee seguido pelo jovem israelita e a jangada da sinais evidentes de ser um Titanic. Assim que o barrigudinho
suico poe os dois pes em cima do bambu, a jangada evapora-se. Escusado seraa dizer quem ee que estava de botas. Depois de tres dias de trecking desafiei o guia para um quarto dia em velocipede pelas redondezas de Luang Nam Than. Junto duma outra pequena aldeia etnica perguntou-me qual o nome da etnia que tinhamos visto no primeiro dia. Nao compreendeu como era possivel eu ja me ter esquecido, mas de imediato ergueu a bandeira da paz, quando questionei se ele sabia o meu nome. E uma cervejas para comemorar mais uma amizade e um karaoke asiatico a condizer. Asiatico e sueco, pois se nao me engano cantei a Dancing queen...






terça-feira, 6 de outubro de 2009

O riso da fortuna e do azar

Quis a fortuna que no dia 3 de Outubro eu fosse o unico passageiro a querer ir para um determinado destino. Quis o azar nao haver mais ninguem para partilhar esta viagem. Eu poderia ir na mesma, mas teria de abrir os cordoes aa bolsa, para pagar o preco minimo requerido. As opcoes de transporte publicos nao existiam e por isso tentei pedir boleia ou negociar um preco simpatico com motoqueiros locais. O azar riu-se das minhas frustradas tentativas e apesar de inconformado la me meti num transporte de volta a Luang Prabang. Regressei assim a Wat That Guesthouse na qual tinha vivido tempos muito bons. Mal sabia eu de duas doces coincidencias. O filho da Noy fazia anos nesse dia e eu fui
feito de imediato convidado. Fascinou-me
particularmente a cerimonia budista previa
aa comida. Com os adultos a abencoar os convidados com ofertas de pulseirinhas brancas de forma a dar sorte ao miudo. Enquanto eu jantava uma sopa deliciosa no Laos, em Portugal toda a minha familia almocava coelho, na festa de aniversario do meu pai e sobrinha Maria. A lua cheia de Outubro trouxe consigo a segunda coincidencia. Ee uma data muito importante no calendario budista e Luang Prabang veste-se a respeito com foguetes, corridas de barcos e lanternas multicolores. E nao ee que o ponto de encontro ee no templo do meu amigo Kham? Barracas de comida, karaoke, jogos de sorte e azar. Um pouco de tudo. Fiz equipa com os meus monges no que toca a atirar setas e la conseguimos uns ovos enlatados e umas garrafas de sumo. O azar riu-se mas a fortuna nao lhe ficou atras!

domingo, 4 de outubro de 2009

Tiger Bomb

Foi com ageis gestos de uma tesoura de
papel, que recordei as palavras do Caetano: "Debaixo dos caracois dos seus cabelos, uma historia para contar de um mundo tao distante..."Um pescador com experiencia de barbeiro, bailou aa minha volta com movimentos de pugilista, esquivando-se ora aa esquerda ora aa direita, dos golpes desesperados de um cabelo com tendencias anarquicas. Galinhas, porcos, patos, caes e gatos, tambem rondavam o banco de madeira na terra plantado, no qual me sentei. Afinal de contas, nao ee todos os dias que uma juba desta natureza, se da a conhecer na pequena vila ribeirinha de Muang Neau. Com a falta de cabelo propria da idade, comecei mais uma caminhada. Desta vez acompanhado pelo Fernando
e pela Elena. Como se de uma partida de futebol se tratasse, tratamos de trocar galhardetes de apresentacao. Do lado Portugues as fotografias de Timor, e do lado Italiano, as fotografias do orfanato do Bangladesh no qual viveram um temporada inesquecivel. A conduzir-nos nesta viagem tivemos o Pam. O playboy local apelidado de Tiger Bomb. Na carteira, fotografias de turistas japonesas e coreanas, mas nenhuma da namorada!! Entre vermes fritos e esquilos guizados, mostrou-nos esta regiao do Laos. A primeira noite foi passada numa pequena aldeia no cume de uma montanha. O equilibrio perfeito entre gente e natureza, consegue sentir-se a milhas de distancia. O sorriso que nos oferecem
perante um trago de lao-lao ee por demais transcendente. Um mundo de criancas feitas adultos. Uma mao cheia de arroz com chili para apaziguar a fome diaria e a outra mao pronta para um feliz aceno.
Por entre caminhadas de pe descalco, o problema habitual do deslize e das terriveis sanguessugas. Mas nada melhor que uma descida de rio deitado em cima de camara de ar de camiao, para recuperar o animo. E os anzois de pesca entregues aa sua propria sorte, porque mais importante que o peixe para o jantar, ee a partilha de experiencias vividas neste mundo tao contraditorio.