quarta-feira, 24 de março de 2010

A pouco e pouco

Acordar não é de todo uma tarefa fácil. Bom, na verdade, acordar até é simples. Afinal de contas é um processo natural. O problema é acordar a uma hora previamente definida! Não temos a possibilidade de recorrer diariamente a formas agradáveis de despertar tais como: o berbequim das obras na cozinha do vizinho do lado, o sapateado de salto agulha da vizinha de cima ou a gritaria do bebé de 12 anos da vizinha de baixo. A única solução é realmente o despertador. O Rádio Am/Fm com alarme tem caído em desuso. As luzes vermelhas psicadélicas e o ruído de fundo da corrente, podem ter sido a justificação para este declínio. Ou então as pessoas simplesmente deixaram de acreditar que um dia alguém lhes telefonaria do programa Jogo da Mala da Rádio Renascença. Como agora não tenho telefone fixo, deixei infelizmente de ouvir esta mítica rádio. Optei assim por me modernizar e passar a utilizar o alarme do telemóvel. Ao longo deste últimos anos não faço ideia de quantas vezes mudei a música para despertar. A música perfeita é meio caminho andado para um vigoroso abandono do vale dos lençois.
As 3 últimas músicas que fizeram o papel de galo de campo foram:

Adágio para cordas - Esta é a música principal do filme Platoon. Como a música é um bocado deprimente e recorda os horrores da guerra, nada melhor que saltar da cama e ver que a luz que emana da janela, não é a dos clarões de bombas a explodir.
Glamourosa - Ouvi esta música milhões de vezes nas quentes madrugadas brasileiras. Como eu regressava ao hotel para o pequeno almoço, esta música dava-me sempre energia para começar o dia pronto para sambar.
Sai-usi-uma - Esta música timorense lembra-me sempre os meus putos do Santa Bakhita e de como eles sempre acordavam antes de mim. Sempre me soudavam com um enérgico "Bom dia irmão João" e essa lembrança sempre me pôs bem disposto.

Hoje de manhã descobri na letra de uma canção que a melhor forma de acordar nada tem a ver com música. Passo a partilha esta enorme descoberta com todas as pessoas que padecem da mesma maleita que é a preguicite aguda.

"Vá lá, são 7 e meia amor e tens de ir trabalhar. Acordas-me com um beijo e um sorriso no olhar. E levantas-me da cama depois tiras-me o pijama. Faço a barba e dá na rádio o José Cid a cantar"

Aqui está!! Nada mais simples do que isto. Tendo em conta que pijama é coisa de maricas e que já não faço a barba há 3 semanas, está visto que vou continuar à procura da música perfeita para acordar! A pouco e pouco lá chegarei.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Palavras fortes

Não sei qual é a origem dos palavrões. Sei apenas que não consigo viver sem eles. Há quem os categorize de gíria. Eu prefiro chamar-lhes de palavras fortes. Não consigo imaginar a minha vida sem palavras fortes. Alguns episódios da minha existência, deixariam de fazer qualquer sentido, se não tivessem sido empregues palavras assim. Os mais conservadores seguramente me acusarão de utilizar palavrões em vez de vírgulas. Em certos ambientes é o que na verdade acontece. Mas apesar de as palavras serem as mesmas, isso não significa que queiram sempre dizer a mesma coisa. Conheço muito bem o dicionário das palavras fortes. Na verdade, é das poucas coisas sobre as quais eu poderia ser considerado como uma sumidade. A razão está associada ao número de vezes que as disse e que as ouvi com verdadeira intenção. A intenção das palavras fortes não é de todo aquela que advém dos seus sinónimos directos. Eu pelo menos não pretendo mandar ninguém, fazer amor consigo próprio, para o orgão sexual masculino ou para as fezes. E muito menos mandar a pessoa para a sua mãe injuriando-a em simultâneo.
As palavras fortes são marcos vivos de emoções. Assinalam desgostos e paixões, derrotas e conquistas, desilusões e surpresas. Usados correctamente funcionam como que balões de oxigénio, janelas abertas, nós de gravata desapertados. O alívio pode não ser muito, mas há qualquer coisa de verdadeiro nestas palavras.
Não sei até que ponto sou um bom utilizador destas palavras. Mas por vezes penso nelas. Nas que disse e nas que ouvi. Recordo emoções...É pá já são 19h20!! Foda-se que já estou atrasado para o futebol.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Amarelo torrado

Demorei muito tempo a ler um livro amarelo torrado. Não estranho que o pó da minha casa tenha escolhido este livro para moradia. Não pela cor da lombada, mas pelo que lá dentro se encontra "Mas penso nunca voltar, pois sei muito bem que a nostalgia de um lugar apenas se enriquece se se conservar como nostalgia, e que a sua recuperação significa a morte".
Sábado a cidade decidiu sair à rua. Lisboa estava com saudades de andar de lado em lado. De um só trago sorveu todo o Sol que a alumiava nesse dia. Um copo de sol on the rocks, por que afinal, o frio de Inverno ainda não abalou para outras paragens.
Decidi juntar-me à procissão de gente e levei o livro pela mão. Segui o curso do Tejo. Comecei pela foz, mas na verdade, não me deti muito tempo por ali. Desta vez não me causou qualquer fascínio o abraço convulso entre as águas doces e salgadas. Caminhei para a nascente mas sabia que nunca lá chegaria. Animei-me com a ideia de estar a caminhar em direção à pureza. Afinal de contas, todos buscamos a verdade. E eu buscava-a num rio. Dois italianos interromperam a minha caminhada para me perguntarem qual o comprimento da ponte 25 de Abril. Atirei 3 Km mas sem qualquer convicção. Findo este encontro, continuei a minha caminhada. Vi-me então debaixo da ponte e deixei-me estar a ouvir o ruído que vinha de cima. A vida pulsava de forma constante e barulhenta e eu sentia-me magneticamente atraído por aquele movimento. A determinada altura olhei para o ocaso para apreciar a trajectória de um avião. O sol já estava muito baixo e, os meus olhos, ao invés de focarem o avião, foram parar num velho cais ali existente. Vi um perfil feminino lá sentado. Com o olhar fixo no horizonte e o rosto reflectido nas águas. Aproximei-me um pouco, para poder ter um angulo de visão mais ajustado. Sentei-me num banco a admirar a tranquilidade que aquele perfil emanava. Sou novamente abordado pelos dois italianos: "Serão mesmo 3 Km?". Olho para a ponte novamente e faço-lhes a vontade "Talvez sejam só 2". Ficam com a resposta pretendida: "Sim, devem ser apenas 2". Quando se afastaram de mim olhei para o velho cais. Ela já lá não se encontrava.
Comecei a minha caminhada de regresso e achei curiosa a cor do pôr do sol: amarelo torrado. O adeus ao velho cais com a nostalgia do momento vivido. Fui para casa e terminei o livro.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Garrafas de óleo boiando vazias

Não sei para onde vou, mas sei que estou a ir. Todos os dias mais perto, mas ainda sem avistar o meu destino. Os dias são agora mais curtos. Mas isso não trava que eu esteja cada vez mais morto. E ainda não cheguei a algures.
As vagas são altas. Por vezes ouço garrafas de óleo boiando vazias. Mas nem mesmo o gerúndio faz com que as consiga encontrar neste cenário de ilusões. As ondas levam-nas de volta à escuridão dos sonhos. E ainda estou em nenhures.
Para onde vai toda esta gente que corre no passeio? Apetece-me seguir cada pessoa com que me cruzo. Entrar no seu mundo e perceber como fizeram para encontrar o caminho. Certamente que haverá um guião. E ainda não cheguei a algures.
As minhas cordas vocais de vez em quando bradem aos céus:"Está aí alguém?". A única resposta continua a ser o borbulhar da espuma do mar. Nem um suspiro de vento para bolinar. Sempre teria alguma coisa com que me entreter. E ainda estou em nenhures.
Há muita gente que afirma ter encontrado o seu lugar. Mas ninguém parece disposto a partilhar qual o segredo para trilhar esse caminho. Por que afinal de contas não existe qualquer segredo. A única coisa que realmente aconteceu, foi um prematuro lançar da âncora. Sem terem achado a verdadeira emoção das suas vidas. Como resultado, a ida para a prisão sem passar pela casa da partida. E é este monopólio de fala-baratos que nos tenta convencer a ficar por aqui.
São poucos aqueles que verdadeiramente se encontram. Mas são esses que me estimulam a percorrer o meu caminho. Mesmo que, por vezes, me encontre, algures no meio de nenhures.