segunda-feira, 15 de março de 2010

Amarelo torrado

Demorei muito tempo a ler um livro amarelo torrado. Não estranho que o pó da minha casa tenha escolhido este livro para moradia. Não pela cor da lombada, mas pelo que lá dentro se encontra "Mas penso nunca voltar, pois sei muito bem que a nostalgia de um lugar apenas se enriquece se se conservar como nostalgia, e que a sua recuperação significa a morte".
Sábado a cidade decidiu sair à rua. Lisboa estava com saudades de andar de lado em lado. De um só trago sorveu todo o Sol que a alumiava nesse dia. Um copo de sol on the rocks, por que afinal, o frio de Inverno ainda não abalou para outras paragens.
Decidi juntar-me à procissão de gente e levei o livro pela mão. Segui o curso do Tejo. Comecei pela foz, mas na verdade, não me deti muito tempo por ali. Desta vez não me causou qualquer fascínio o abraço convulso entre as águas doces e salgadas. Caminhei para a nascente mas sabia que nunca lá chegaria. Animei-me com a ideia de estar a caminhar em direção à pureza. Afinal de contas, todos buscamos a verdade. E eu buscava-a num rio. Dois italianos interromperam a minha caminhada para me perguntarem qual o comprimento da ponte 25 de Abril. Atirei 3 Km mas sem qualquer convicção. Findo este encontro, continuei a minha caminhada. Vi-me então debaixo da ponte e deixei-me estar a ouvir o ruído que vinha de cima. A vida pulsava de forma constante e barulhenta e eu sentia-me magneticamente atraído por aquele movimento. A determinada altura olhei para o ocaso para apreciar a trajectória de um avião. O sol já estava muito baixo e, os meus olhos, ao invés de focarem o avião, foram parar num velho cais ali existente. Vi um perfil feminino lá sentado. Com o olhar fixo no horizonte e o rosto reflectido nas águas. Aproximei-me um pouco, para poder ter um angulo de visão mais ajustado. Sentei-me num banco a admirar a tranquilidade que aquele perfil emanava. Sou novamente abordado pelos dois italianos: "Serão mesmo 3 Km?". Olho para a ponte novamente e faço-lhes a vontade "Talvez sejam só 2". Ficam com a resposta pretendida: "Sim, devem ser apenas 2". Quando se afastaram de mim olhei para o velho cais. Ela já lá não se encontrava.
Comecei a minha caminhada de regresso e achei curiosa a cor do pôr do sol: amarelo torrado. O adeus ao velho cais com a nostalgia do momento vivido. Fui para casa e terminei o livro.

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