domingo, 29 de novembro de 2009

Dia de passeio

As catupas estao feitas, as guitarras estao no camiao e o sol brilha com vontade. A viagem ate Liquica faz-se entre curvas apertadas e por cancoes do folclore portugues. A agua estaa quente e convida a entrar. Eu tomo a lideranca e o caldo rapidamente entorna. As brincadeiras sao mais que muitas, com guerras de cavalos, discos voadores e mergulhos de todas as formas e feitios. A coragem ganha corpo ao se entregarem nos meus bracos para aprenderem a boiar e a nadar. Eles ficam contentes com as habilidades aprendidas e eu fico feliz com a confianca que ja depositam em mim. O processo para os ganhar emocionalmente ee muito distinto da aproximacao a uma crianca dita normal. Mas as pequenas conquistas sao um de um sabor extraordinario. E funcionam como um estimulo acrescido. O almoco chega com catupas, salsicha e hortalicas sentadas no lencol de areia. A comida ee devorada rapidamente pois tenho de voltar para a agua, pois alguns ja la estao novamente.
O regresso do dia de passeio ee feito com muita chuva fria e sem tecto firme a proteger. Alguns choram de frio e tremem como varas verdes. Mas esfrega-se costas e canta-se a plenos pulmoes pendurados na carrocaria do camiao. Viva Timor Leste, Viva. Viva Portugal, Viva. Viva a Matematica, Viva. E assim afugenta-se as nuvens. E o calor regressa. O calor da gente...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O regresso

Empurrei o portao e entrei. A casa estava estranhamente calma. Cheguei aa cozinha e encontrei-os. Apenas disse "Ola". Vi nos seus olhos toda uma serie de emocoes iluminadas por um brilho estrelar. Senti sorrisos nervosos e movimentos corporais confusos. Todos me estranharam. Nao estao habituados a surpresas. Falei-lhes de saudades. Da compra do bilhete de regresso um mes apos os ter deixado. Mostrei-lhes a fotografia deles que sempre carreguei comigo. Puxei-os para mim ao longo do dia. O medo inicial desapareceu e todos se entregaram.
E ja nos estamos todos a rir com os disparates habituais. A sala de aula ee mais de festa do que de aborrecimento e o campeonato escola ministro joao ferreira estaa ao rubro. Porque neste lado do mundo ainda ee possivel jogar futebol sem bola, piolho, lencinho, aumenta, submarino ou ate mesmo a muralha da china. Os jogos que fizeram parte da minha meninice e que agora tambem preenchem a infancia destas criancas.
Assim se faz este regresso. Com a confianca para me dizerem os nomes que lhes aceleram o coracao e com o ousadia para me fazerem um pergunta dificil "quando ee que o Joao agora volta a Timor"? Que depressa passou esta primeira semana...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Mar impossivel

Cheguei ha pouco a Singapura e acabo de sair de uma sala de cinema. O argumento nao era novidade: a Natureza dita as suas leis e o mundo como o conhecemos ee destruiido. Uma das cenas ee passada na Capela Sistina com o seu magnifico tecto a desfazer-se em pedacos. Como se fossem as minhas dez mil pecas que juntei nuns meses de Outono. Cada experiencia vivida ee uma peca do puzzle que todos noos somos. Somos barro e nao pedra. Vamo -nos moldando com o passar do tempo ha medida que as pecas se juntam. Todas as pecas do puzzle sao singulares. Os mais obtusos dirao que certos puzzles sao uma monotonia ou porque tem demasiado ceu ou demasiada areia como nesta fotografia. As pecas podem parecer iguais, mas sao sempre diferentes. Cada uma apenas ocupa um determinado lugar. Nestes dias que antecedem Timor acumulei mais algumas experiencias. Em Mui Ne lutei contra um mar impossivel numas aulas de windsurf e de surf. As condicoes metereologicas eram pre-tufao e so tive as aulas porque o instrutor percebeu o quanto era importante...para a minha famila. Passei a grande maioria do tempo debaixo de agua o que nao ee propriamente o objectivo destas modalidades. Na onda em que fui arrastado por mais tempo lembro-me perfeitamente de pensar vais ver que mais 2 ou 3 secundos e isto acaba. Assim que consegui por a cabeca fora de agua ouvi novamente "waaaaaaaave".
A recepcao no aeroporto de Phu Quoc Island nao poderia ter sido melhor. Mais uma partida aa boa maneira espanhola que me fez rir aas gargalhadas. Ja para nao falar das plumas que tinha o rapaz que me foi buscar. Uma ilha ainda paraiso, mas com o conceito resort ja a bater aa porta. Mas ainda ha espaco para as comunidades rurais que sempre nos alimentam o ego a cada paragem.
Ha depois o regresso aa cidade grande. Desta vez Ho Chi Minh City, para sempre eternizada nos filmes de Hollywood como Saigao. Os 5 milhoes de motas em circulacao nao convidam o peao a atrever-se a sair de portas. No intervalo de um dos meus passeios, li uma noticia que me deixou completamente perplexo: um famoso jogador de golf foi apanhado com doping. Depois fui conhecer o War Remnants Museum. As fotografias da guerra do Vietname contrastam abissalmente com a noticia que abalou o mundo do golf. A unica coisa que compartem ee o facto de ambas lidarem com quimicos. Estas tristes fotografias repetem-se diariamente em muitas partes do mundo e nem por isso chegam a ser noticia. Mas o doping no mundo do golf ee sem duvida uma preocupacao a ter. Nem imagino o que teria sido se o doping tivesse chegado ao bilhar livre. Talvez seja preciso aumentar o numero de cabos electricos para criar um Homem mais iluminado.













quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Eles nao sabem

Ontem encontrei um bandolim. Peguei na palheta um pouco a medo mas a memoria fluiu dos meus dedos. Viajei por uma noite de capas tracadas e vozes soltas ao vento. Sorri.

O meu bau de lembrancas precisa de dobradicas novas. Perdi a conta ao numero de vezes que nos ultimos meses recordei as minhas vivencias! Da infancia ate agora. Viajar sozinho ee assim mesmo. A abertura ao mundo ocorre em simultaneo com a concentracao em quem somos. Das muitas coisas que pensei, existe apenas uma que me visita diariamente. Visitar nao seraa o verbo certo. Acompanhar ee o verbo apropriado. Acompanha-me a toda a hora. Sim, muito melhor.

Um dia eu estava na Indonesia e perguntei ao meu amigo Aristoteles: "Entao pa, hoje ja te encontraste?". A sua resposta nao poderia ter sido melhor: "Duas vezes antes do pequeno almoco". Saberemos de verdade quem realmente somos? Creio que somos uma amalgama de tres imagens: quem pensamos que somos, quem os outros pensam que somos e quem gostariamos de ser. Mas nenhuma dessas facetas ee quem verdadeiramente somos. Esta essencia tem o nome de Amor.

Todos noos tocamos o Amor inumeras vezes ao longo da vida. Mas por ser uma essencia, nao o podemos tocar todos os dias. Loucos sao aqueles que o aspiram. O amor ee como um frasco de perfume depois de aberto. A essencia evapora-se. Mas ao mesmo tempo fica la. Como quando recordamos o cheiro de alguem num estranho de passagem ou numa camisola de la esquecida no armario. A isso apelido de felicidade. Esse respirar compassado do amor que por ali passou.

Os dias em que se toca o amor sao unicos, irrepetiveis e inesqueciveis. Ficam para sempre alocados a imagens, sons, cheiros, sabores e toques. E a locais tambem. Dizem as regras da sensatez que nunca deveremos voltar ao lugar onde ja fomos felizes. Mas a excepcao tambem faz a regra.


Eles nao sabem que eu vou voltar. Eles nao sabem que todos os dias quis voltar. Eles nao sabem que falei deles a todas as pessoas que conheci.

Eles nao sabem o quanto me fazem feliz. Eles tambem nao sabem que sempre que o homem sonha o mundo pula e avanca.

Agora vao sabe-lo.

Daqui a 10 dias regresso a Timor.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O mar enrola na areia

Na cidade de Nha Trang encontrei um mar que enrola na areia.
Um par de namorados perfeito como aquele que mora la na Povoa. Ora chega, ora vai, ora chega, ora vai...uma danca hipnotizante onde a areia ee embalada. E ela jura-lhe fidelidade e nunca se cola a um pe descalso para encontrar outra morada. Chamam-lhe areia grossa, eu chamo-lhe areia boa. Este mar deixou-me mostrar a minha tecnica poveira, a qual so se domina apos muitos dias de bandeira vermelha. Ouvi o queixume deste mar: "Olha o que o Homem me faz. Estragula-me entre asfalto e edificios. Nao me dao 50 metros de vista desafogada. Se me queres ver longe dos muros da cidade, viaja ate ao sul". A Marta acelerou na mota automatica e la se comecou a viagem. As nossas tentativas de chegar aa praia a sul esbarraram muitas vezes nas palavras dos militares que nos bloqueavam a passagem:"terreno militar" - diziam eles. Por entre as obras de um resort, uma janela de oportunidade e todo um areal por nossa conta. De noite brinda-se ao sucesso desta aventura num restaurante ja meu conhecido. Ja la tinha comido sozinho por tres vezes. Numa das refeicao sai-me um "delicioso" em vietnamita. Duas raparigas que la trabalham perguntam-me se sei mais alguma coisa em vietnamita e eu digo a outra coisa que sei dizer: "ees muito bonita". Nas 3 refeicoes seguintes tenho por companhia a Marta, uma espanhola que tinha conhecido no Cafe des amis. Comprometida aa 7 anos e a descansar do voluntariado aqui no Vietname, nada melhor que armar um barraco fingindo-se de minha namorada! As nossas conversas com as raparigas eram de morrer a rir, com a Marta a dizer que me emprestava para elas poderem sair comigo."Very handsome, very handsome", "You and him many problems". A Marta seguiu para Ho Chi Min e eu fiquei mais um dia. Quando me apanham sozinho ao pequeno almoco, perguntam-me: "Where is your girlfriend". A minha resposta foi pronta :"She is not my girlfriend. We are just lovers. We are both married". Nem terminei a panqueca de tanta dor no estomago de tanto me rir!!