domingo, 27 de setembro de 2009

Laranja



A chegada a Luang Prabang ee recheada de encontros com caras conhecidas de outras paragens. Nada melhor que a partilha de um caiaque para por a conversa em dia, a qual basicamente se resume, a dicas sobre locais de interesse a visitar.O Mekong apresentou-se muito calmo, mas nem por isso me livrei de um naufragio involuntario. Felizmente o nosso guia foi rapido o suficiente para salvar o meu chapeu de Timor Leste. O chapeu que o pequeno Tomas me comprou com os 3 dolares que lhe dei pelo facto de ele ter alcancado a terceira melhor marca no exame que la realizei. Mas a generosidade tambem
continua por estas paragens. Encontra-se
em todo o lado. Talvez por essa razao tenha decidido prolongar o meu tempo de estadia neste
fantastico paiis. Aqui nao ee necessario navegar aa bolina. O vento que esta gente emana ee por demais favoravel. Desde a cozinheira da pensao que me leva ao mercado para comprar cobra para o jantar ate aas gentes do campo que me convidam a por o descanso na bicicleta e a sentar-me um pouquinho a conviver. Esta cidade patrimonio da Unesco ee um colar de perolas no qual o Mekong funciona como o fio na qual flutuam templos magnificos. O verde ee a cor dominante, mas o laranja tem o seu papel determinante, na identidade deste local.
Sao centenas os monjes que aqui vivem. Hoje passei
grande parte do meu dia a conversar com alguns
novicos. Falei principalmente com o Kham, um rapaz de 17 anos. Ee incrivel descobrir as suas motivacoes, necessidades e faltas que comete aas 10 rigidas regras que tem de seguir. Mais uma vez fui brindado com a generosidade. Uma pulseira budista feita por ele e que apenas os monges podem fazer e oferecer. Em troca dei-lhe as impressoes da fotografias que tiramos juntos. Amanha vou acordar as 04h00 para ir oferecer comida aos monges do templo do Kham. Ee um movimento super interessante. Luang Prabang acorda todos os dias a essa hora para essa cerimonia encantadora. Todos as madrugadas, os monges da cidade, caminham em volta do seu templo a pedir comida e a abencoar as pessoas. A crenca deste povo ee enorme e todos os dias as ruas estaos cheias de gente a distribuir arroz pelos monges. Amanha ee a minha vez.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Mais tempo

Apesar de ter apanhado mais um pequenino aviao, o meu ritmo de viagem sofreu um abrandamento. Os dois grandes responsaveis por esta mudanca de atitude sao a Augustina e o Luc. Foi com surpresa, que descobri na literatura da primeira, referencias aa praia da Povoa, as batatas de Aver-o-Mar e aos tapetes de Touguinho. Um cheirinho a casa, e aas minhas repetidas tardes de sabado, passadas na companhia de um livro, cafe cheio e agua com gas. Deixei-me ficar assim, a saborear o passar do tempo no meu quarto flutuante. A mesma paz nao se sentiu nas grutas de Vieng Xay na qual os responsaveis politicos do Laos viveram mais de dez anos. Ee uma viagem fascinante por entre tuneis e instrumentos de purificacao de ar. La fora caiam 2 milhoes de toneladas de bombas. Os Americanos decidiram ca deixar uma tonelada de bombas por habitante. Um povo generoso.
Uma curiosidade por estes lados do Laos ee o facto de nos autocarros se distribuir sacos plasticos, nao va o bolo alimentar decidir meter marcha a re. As viagens fazem-se entre curvas apertadas e montanhas verdejantes. E com pneus calvos como a lei da pobreza naturalmente ordena. As pernas sao esticadas por cima de sacos de arroz e toda a especie de quinquilharia que ee possivel imaginar. As paragens para a casa de banho sao imensamente curiosas, com homens e mulheres a regar os canteiros do caminho, entre pouca vergonha e risadas.
Aa chegada a mais um pensao conheci o Luc. Um Frances de 63 anos que estaa a realizar uma viagem de 12 a 18 meses. Reformado do jornalismo, do consultorio de psicologia, da acessoria na Unesco e de 6 mulheres, anda agora a ver estes lados do mundo. Nao sei se o conceito de fast dating, se pode aplicar neste caso, mas o que ee facto, ee que formamos de imediato um caso serio de sucesso. Nunca falei tantas horas consecutivas com ninguem, e chega a ser incrivel, a confusao que armamos nas nossas conversas. O bacalhau com natas mistura-se com a filosofia de Espinoza, o milagre de Fatima senta-se aa mesa com a maneira de ser dos Indianos, as coxas torneadas de uma Australiana bailam com a tecnologia aeronautica. De tudo se fala. Sem barreiras, preconceitos ou estereotipos. Com mais tempo. Sao outras viagens. De encontro ao Homem. Essa busca continua de saber quem somos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A alma dos ricos

Nas minhas buscas de encontrar um pouco de lingua portuguesa cruzei-me ontem com a Augustina Bessa Luis. Ha muito que procurava um livro escrito em portugues, fosse ele um original ou uma traducao. Desde que fui para a Indonesia tenho passado muita fome no que toca a leitura. Ainda para mais depois da barrigada de livros que tive em Timor. Desde entao, tenho enfiado o nariz em tudo quanto ee alfarrabistas, mas apenas ontem tive sucesso. Encontrei um livro chamado A alma dos ricos. Tal titulo nao poderia ser mais adequado a algumas coisas que tenho pensado nos ultimos tempos. O Homem decidiu mover-se com um objectivo: melhorar a sua condicao. Ainda hoje em dia, existem povos em constante movimento. Compraram aqui ontem, montam hoje ali tenda, amanha vao para acola. As trocas comerciais, sao na grande maioria das vezes, o factor determinante de tais mutacoes. Alguns viajantes que encontro pelo caminho carregam em si este espirito primitivo de viagem. Reclamam descontos em lojas com os precos afixados, servem-se do guia de viagem para justificar o preco das coisas, discutem por montantes que nos seu paises dariam para duas chicletes. Ocasionalmente libertam perolas como a que apanhei ha dias: Esse preco nao ee justo. Ja que nao ee o preco, talvez seja o mundo que ee justo! La diz a sabedoria popular que o peixe morre pela boca: Nao estou preocupada em arranjar emprego. Entretanto vou cuidando dos meus cavalos. No dia em que me apetecer voltar vou ao aeroporto e compro um bilhete na hora. Ninguem tem culpa do berco em que nasce ou do seio em que cresce. Ninguem tem culpa da bolsa com que estuda ou da cunha para o emprego. Creio no entanto, que o estatuto de inocencia tem os seus limites.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Fora de pista

De mota novamente, mas desta vez com os cabelos resguardados num capacete do exercito americano. Fui adoptado por um casal em plena lua de mel, Amelie e Enres, para percorrermos juntos o Bolevard Plateau. A fama desta regiao montanhosa do Laos advem das etnias minoritarias que aqui ainda resistem. Na rifa que ee decidir por um guia, calhou-nos o Alung. Um excelente garfo que nos levou a experimentar um pouco de tudo. Aqui ee cafe, aqui ee cha, aqui ee sopa, aqui ee sapos, aqui ee papaia, aqui ee carne seca... Quase que parecia um roteiro gastronomico. Felizmente a chuva deu-nos algum descanso, pois de contrario, todo o tempo desta aventura teria sido passado a olhar para as panelas a ferver e para a chuva que se abatia.
Um guia super preocupado. Sempre disponivel para sorrir para a camara, como para olhar para tras, para ver se o casal franco-israelita seguia as pisadas da nossa mota. O resultado destes malabarismos foram duas quedas atribuladas, mas sem qualquer lesao ou mazela a resgitar no diario clinico. Na primeira partiu-se o travao da roda traseira em plena descida, na segunda partimo-nos todos a rir com a lama que eu e o Alung comemos. Mas nada como uma sopa de noodles para limpar a poeira.
Vi pequenas vilas ainda intocadas pelo turismo. As pessoas continuam os seus afazeres e os turistas pouco lhes interessam. Ee uma sensacao um tanto ou quanto estranha. Ee como visitar um museu vivo mas em que nada se move.
No topo de uma cascata nadei com um grupo de pequenos rapazes. Na comunicacao possivel, um deles pegou num punhado de lama e desenhou um coracao no meu peito. Depois foi-se embora. Fiquei sem saber o que fazer. Mas as respostas por vezes estao aa distancia de um olhar. Consegui chama-lo com um assobio e atirei-lhe um colar que me acompanhava ha uns meses. O penduro ficava aa mesma altura do coracao de lama que o miudo me tinha dado. Pareceu-me uma justa troca.

Batatas fritas da saudade

Encontro diferencas culturais a cada passo que dou. As batatas fritas de pacote sao um bom caso de estudo. Sabores como a picanha na brasa, chourico ou fritas em azeite, sao aqui substituidos por lula, molho de soja ou chili com mangericao. Tendo em conta o numero de restaurantes de outras nacionalidades que se encontra em todo lado, ee no entanto um bocadinho estranho, a nao internacionalizacao das batatas fritas. Dia 12 de Setembro teria dado tudo por umas batatas fritas com sabor a bacalhau com broa. Este prato recorda-me sempre casamentos. Aqueles a que fui, e aquele a que faltei no dia 12 de Setembro. Faltei, mas estive la na mesma. Como no refletir de um espelho. Estamos la sempre.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A chuva continua

Nao sei quando comecou a chover. Sei que ainda continua. Comecou no Cambodja e seguiu-me ate ao Laos. Aproveitei o meu ultimo dia de Cambodja para ir ver umas quedas de agua. Nada de espectacular comparado ao percurso para chegar junto das mesmas. Absolutamente surreal. A mota andava de lado e ainda nao consegui perceber como nao caimos! Por vezes eu tinha que sair da mota e mesmo assim,o espectaculo do deslize continuava. A destreza do meu condutor valeu-lhe uma fanta de laranja ao final da tarde. Eu decidi saborear as aguas frias da chuva que caiia ao mesmo tempo que nadava numa cratera de aguas quentes.

A viagem Cambodja-Laos foi extremamente curiosa. A carrinha pifou no meio de mais um lamacal. De tudo se tentou um pouco. Apertar e desapertar cabos, ligacoes directas, o belo do empurrao...! Mas ninguem protesta e toda a gente mantem o bom humor. Uma outra carrinha arrasta-nos durante horas ate a uma cidade perto da fronteira. E pronto, agora ee hora da extorsao. O visto nao ee suficiente. Ee preciso mais um dolar de cada lado da fronteira para os "carimbos". Mas nao ha volta a dar. Abre-se a algibeira, diz-se uns palavroes na lingua original, e a vida continua noutro lado.

Laos chega com quatro mil ilhas para descobrir em pleno Rio Mekong. De um lado aguas furiosas, do outro verdes arrozais. Hoje pedalei com mais 3 pessoas por entre lama e saibro. Houve quem lambesse o caminho no meio de quedas cinematograficas. A camara de ar do meu pneu traseiro deu um estouro tao violento que ate fez levantar um bando de patos que por ali andava. Pena nao haver uma cacadeira a jeito para fazer um arrozinho...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

King Kong Man, Crocs e Baguetes

Ainda nao tinha saltado do tuk-tuk e ja estava a ser bombardeado "eu, eu", "escolhe-me a mim", "eu sei tudo"... Estas exclamacoes vinham da boca de quase trinta criancas. Todas gritavam e tentavam ganhar um lugar o mais junto de mim possivel. Silenciei a audiencia e dei o meu veredito. "Vou com esta aqui que ee a mais pequena". E assim tive como guia uma miudinha chamada Nim. Quatro rapazes decidiram juntar-se a noos. "A tua guia ee ela mas nos vamos tambem para praticar o ingles". A Nim, tendo em conta o meu cabelo e os pelos nos bracos e pernas, tratou logo de me por uma alcunha: King Kong Man. Eu tratei de imediato de assumir o meu papel de gorila, com uns fortes gritos acompanhados com murracas no peito. E assim decorreu a descoberta de mais uma zona rural, com plantacoes de pimenta e templos a condizer.
O parque natural de Bokor ee no minimo curioso. No seu topo sera construido um resort megalomano. Com direito a casino e tudo. Talvez eu tenha faltado aa aula de zoologia que referia que os tigres e elefantes eram bons jogadores de black jack. O mais curioso nisto tudo, ee que no cimo desta montanha, ja houve vida, traduzida num casino-hotel, igreja e casitas. Foi tudo abandonado duas vezes. Hoje em dia os turistas trepam a montanha para ir ver as ruinas. Eu tambem fui enfiar-me novamente no mato. Choveu durante toda a subida. Mas fez-se. Uns com mais dificuldade, do que outros. Ha no entanto gente que abusa. Uma rapariga pesadinha decidiu ir calcada com uma Crocs cor-de-rosa levezinhas. Coitadinha. Escorregava como valha-me Deus e caminhava muito lentamente. Mas uma coisa tiro-lhe o chapeu. Podia nao estar bem calcada, mas estaa bem casada. O marido, para alem de carregar todas as mochilas que traziam, cedeu aa mulher os seus sapatos de montanha e calcou ele as Crocs cor-de-rosinha.
Apesar do Agosto dos nossos emigrantes so
regressar no proximo ano,
tenho que fazer uma homenagem: "Vive la France". Todos os colonizadores deixam alguma coisa caracteristica do seu paiis. Os meus amigos franceses deixaram a baguette em todos os paiises da sua Indochina. Ainda fica um pouco longe das baguettes que se compra na padaria junto ao cafe brasil la na minha terra, mas ja daa para enganar as saudades que o estomago chora. Hoje papei duas logo ao pequeno almoco antes de pegar na ginga. Enfiei-me num pequeno bote e fui descobrir uma comunidade que vive na ilha Koh Trong no meio do Rio Mekong. Olhei em volta para localizar o grupo de golfinhos-de-irrawaddy, que fui ontem ver, mas desta vez , nao tive sorte. Talvez tenham ficado debaixo de agua a jogar cartas (aa imagem dos seus amigos tigres e elefantes)...eles sao particularmente bons a jogar aa "pesca/peixinho" (norte/sul). Se nao me engano, acho que aprendi isto no segundo rally das tascas...