sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Alfacinhas

“O teu avô fez uma ramada exactamente igual às da Pousa”. Ao ver as fotografias que eu tinha trazido da sua antiga casa de Xinavan (Moçambique), o meu pai contou-me que num dos lados do quintal, o meu avô tinha plantado uma vinha à imagem das que se faziam na sua terra natal.
No ar livre de uma grande cidade é quase impossível sentir o aroma único de uma videira. O diospiro e o rosmaninho também não andam pelo ar. A brisa nada tem de coentros, limão ou pimentos. Nem mesmo a ventania sopra a alperce, louro ou alecrim.
No ar condicionado dos nossos veículos já é possível ter toda essa amálgama sensorial. Graças ao homem moderno, os pinheiros aromáticos e os doseadores de perfume estão na prateleira de qualquer supermercado.
O ar livre e o ar condicionado. O incerto e o seguro. O verdadeiro e o falso. E mais um sem número de duos conhecido, pois para trio famoso só mesmo o de Odemira...
A grandeza de uma cidade não se mede apenas pela sua dimensão. A janela de oportunidades que oferece e a capacidade de surpreender, são dois elementos fundamentais numa cidade. E foi uma janela e uma surpresa que me ilucidaram para o tamanho de Lisboa. Numa fila de trânsito interminável do IC19 dei por mim de janela aberta. A surpresa chegou quando me cheirou a salsa. Atirei os olhos para a berma e siderei em “ponto morto”. Tinha acabado de avistar um língua de terra rectangular que não teria mais de 10 metros de comprimentos e 2 de altura. Mesmo com uma inclinação pouco inferior a 45º, uma sachola atrevida lavrava a terra. Rapidamente identifiquei couves, cebolas e salsa. A minha paralisação apenas foi interrompida por uma buzina pouco afinada de um Opel Kadett. Meti a primeira e continuei viagem de sorriso pendurado. É inacreditável a quantidade de pedras preciosas que perdemos com a peneiração apressada que fazemos das nossas vidas. Garimpeiros sem tempo à procura do “el dorado”. Felizmente ainda há quem cultive nas grandes cidades. Mesmo que a terra não seja fértil, só o facto de nos transportar momentaneamente para o campo, já é uma excelente safra.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Rampa de lançamento

Hoje madruguei para uma viagem de comboio. Recordo a minha infância e as incontáveis vezes que acompanhei a minha mãe com o meu meio bilhete tarifado até à estação de pedras rubras. Quando lá chegávamos era só saltar para dentro de uma carrinha que num instante estacionava no aeroporto.
Sempre tive um fascínio apaixonado pelo aeroporto e tive a possibilidade de conhecer bastante bem o seu modus operandi. Foi necessário no entanto que a idade adulta desse de si, para que me enamorasse por um pequeno recanto do aeroporto: a rampa de lançamento. Esta é a expressão que escolhi para designar o átrio das chegadas, dando particular atenção ao espaço, de onde surgem subitamente os viajantes.
A zona das chegadas nunca está sozinha. Seja a que horas for, encontramos sempre alguém por lá. Mesmo em horas ausentes de tráfego aéreo, podemos lá ouvir o assobio de quem limpa o pavimento ou o deambular de alguém a fazer uma ponte aérea. Adoro quando o aeroporto está um caos. Centenas de pessoas à espera, dezenas de aviões a aterrar. Confusão total para recolher as malas e depois aquela teatrealidade a passar na alfândega. Caminhar o mais naturalmente possível, não vá o senhor agente adivinhar que trazemos mais de 30 pares de hawaianas na mala. É tempo de finalmente respirar à vontade. As portas automáticas fazem a honra de abrir e um novo mundo parece desaflorar. Em tempos de tecnologia peço ao leitor que prima o “pause” para nos concentrarmos nesta imagem. Ali está o parente desejado. Tem quase que em ponto de rebuçado, toda uma família a aguardar. É ver as crianças encavalitadas, penduradas no varão ou entretidas com uma amizade de ocasião. Ouvimos até os graúdos em traje de cerimónia, a dizer aos infantes: “aquele é que é o teu pai”, “pergunta-lhe o que te trouxe”, “corre para ela”. Rio-me sempre com estes abraços e beijos desajeitados.
Também por lá andam algumas cores de pele que não são a maioria naquele país. Têm uns trajes um pouco inadaptados e trazem sempre as maiores malas. O seu semblante mistura uma boa dose de medo, expectativas e saudade. É um cocktail de emoções que se engole em seco. Encontram por vezes família chegada, mas primos, amigos ou conhecidos, é o mais frequente. Por aqui há abraços e beijos muitos apertados, e aqui, choro invariavelmente.
Na nossa imagem ainda podemos presenciar o casamento entre passageiros e cartazes. Carne e papel numa cerimónia civil. Refiro-me às pessoas que se dirigem aos cartazes empunhados por motoristas, nos quais se pode ler um nome próprio, o nome de uma empresa ou o nome de um hotel. Também lá estão os habituées destas andanças das viagens, que rapidamente se evaporam num taxi ou no carro de um parente.
Bom, penso que podemos ficar por aqui. Mas...esperem...acabo de distinguir mais um grupo. É verdade, lá estão eles. Como me pude esquecer. Passam imensamente despercebidos nesta azáfama aeroportuária. Ali à esquerda, estão a ver? Lá está um exemplar. Uma pessoa sozinha à espera que a venham buscar. E quem a vai buscar na grande maioria das vezes não é inocente. Existem muitos atrasos provocados. “Quando, chegar, cheguei!” O mesmo verbo, dois tempos diferentes...a merda do costume diriam muitos.
Já fui todos estes passageiros. O familiar retornado, a pigmentação curiosa, o noivo do cartaz, o experiente nestas lides e o que desespera por não se lembrarem de si. A rampa de lançamento permite saborear todas estas personagens, todas estas emoções. Talvez não tivesse essa capacidade em pequeno, mas é sem dúvida daqui, que vem o meu fascínio pela aeronáutica.