sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A cova do dente

Não sei se terei algum animal favorito, mas tudo o que se assemelhe com o Simba, faz sem qualquer dúvida o meu género. Os felinos são realmente uns animais curiosos, e um dos aspectos que mais aprecio é a sua incrível capacidade de rasgar a carne das suas presas. Uma pessoa com uma coxa de frango na mão, é uma imagem já bastante estabelecida, de como também nós conseguimos demonstrar o vigor com que podemos comer. Questiono-me no entanto, o que aconteceria se substituíssemos este frango assado com picante, por uma bela manga vermelha. Não tenho qualquer dúvida que conseguiríamos arrancar um belo naco de fruta, mas o resultado seria catastrófico. Existe sensação pior do que ter um fio de manga ou uma lasca de bacalhau, entalada entre dois dentes? Então se for em dois molares, o fado ainda mais negro se torna.
Se as escovas de dentes tivessem orelhas, de certeza que estavam sempre ruborizadas como um bocado de carvão em chamas, pois é quando estas situações acontecem, que mais saudades temos da nossa esfregona dentária. Saudades da nossa ou de outra pessoa qualquer, pois quando a desgraça atinge, a assepsia fica para segundo plano. Alguém que nos acuda por favor. A língua coitada, é vê-la numa luta quase que desumana para tentar salvar-nos desta situação. É o dia inteiro para trás e para a frente numa corrida contra o tempo. Existem inúmeras estratégias para arrancar estas porções de comida, mas sobre isso não me vou debruçar, pois criaria um post interminável. Cabe ao leitor avaliar aquilo que faz e rir-se com isso.O mais incrível é o tamanhão que esses bocados de comida podem ter. Ainda hoje eu próprio me surpreendi com os meus dentes. Mas até estou contente com isso, pois daqui a pouco vou para Paris numa Low-Cost e assim já levo na cova do dente uma meia dose de “bacalhau à gomes sá” que me sobrou do almoço.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A linguagem do limão e do vinho

O tempero de um bife não é consensual. Não me estou a referir ao sal, alho, louro ou pimenta. O grande problema está na luta férrea entre o limão e o vinho. Em ambos os casos é necessária uma atenta diligência. A comunicação nada mais é que uma dose de limão e um trago de vinho.
A linguagem do limão é cáustica e directa. Para além de permitir poupar tempo, é muito empreendedora. Há quem diga até que é mais honesta. É extremamente utilizada pelas camadas mais jovens, que curiosamente pouco conhecem sobre o real alcance da mesma. No meu jogo de imagens, diria que, antes de dominarmos a quantidade de limão, devemos começar por comprar carne do cachaço, pois o lombo está extremamente caro, e seria uma pena estraga-lo com demasiado palavreado citrino.
A linguagem do vinho é nebulosa e indirecta. Aparentemente não leva a lado nenhum, mas pode conduzir a grandes feitos. Também há quem diga que seja mais verdadeira. As pessoas mais treinadas, utilizam-na com frequência, pois vivem na ânsia que os outros maduros, a compreendam. Penso que antes de embebedarmos os nossos interlocutores com a linguagem do vinho, devemos colocar-nos no seu papel, pois na maioria das vezes, começam a pensar como um pessoa de olhos em bico: "arroz outra vez??".
A batalha da linguagem irá sempre cruzar-se com o nosso caminho. Sinto um pouco de remorsos é de ter colocado o nosso bife no meio desta encruzilhada. Mais um inocente condenado às mãos de um escritor de ocasião, pensará o leitor.
Mas fique o leitor sabendo, que este escritor de tijela e meia, carrega em si, o génio culinário da D. Délia. O nosso suculento bife será mergulhado numa sangria. O limão como estará entretido a conversar com outras frutas irá finalmente relaxar. O vinho lembrar-se-á que em tempos foi um cacho de uvas, e irá levar-se a si próprio mais a sério. São servidos?

Jogo das covinhas

Não sei se hoje em dia existem berlindes. Presumo que berlindes ainda haja, não sei é se ainda os conseguimos encontrar no seu ambiente natural, que são os recreios escolares. Eu ainda conservo um caixa amarela de Nesquik cheia de berlindes. Convém dizer que na minha casa as caixas de Nesquik sempre foram bem aproveitadas, como por exemplo para fazer halteres, que fariam transpirar de inveja, os administradores de qualquer ginásio mais fashion. Fiquemos por aqui pois o texto sobre os ginásios a seu tempo chegará. Concentremos agora as atenções nas bolinhas vítreas.
Leiteiras, abafas, planetas, brilhantes, comuns e aranhas, todos juntos numa amena cavaqueira. De todos os jogos possíveis, existe um em particular que me ensinou muito. O jogo das “três covinhas”. Antes de se poder começar a tentar fisgar os adversários, é necessário cair um vez em cada covinha.
Nesta vida de grandes emoções, batemos algumas vezes com a cabeça no fundo da piscina. Penso que nunca temos bem noção dos nossos mergulhos. Vivemos a ilusão das águas do Mar Morto e que é impossível chegar lá a baixo. Mas o que é facto é que acontece. Lágrimas soltam-se de todos os poros da nossa pele. A tristeza silencia a gargalhada e a derrota toma o comando das operações. Sentimos o nosso Norte a escorregar pelos dedos. Ficamos perdidos minha gente.
A necessidade de tais capítulos, explica-se nos berlindes. Apenas depois das covinhas feitas, é que podemos realmente começar a brincar. Mas são estes desertos de ideias que dizem quem realmente somos. E depois de nos conhecermos...enfim, não consigo parar de rir só de o imaginar.
A vida na sua essência, nada mais é, que um comum despertar. Mais cedo ou mais tarde, todos nós, nos levantamos. Os berlindes hoje encontram-se no “Jardim Nostálgico”, mas podemos sempre lembrarmo-nos do que eles me diziam.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

As gajas boas

As gajas boas estão a desaparecer. A palavra tem mesmo de ser "boas". Não há outra forma para as definir. Palavras como lindas, bonitas, elegantes ou jeitosas, morrem pela sua própria limitação, e o leitor poderia distanciar-se de quem pretendo retratar. As gajas boas da minha vida andavam pelo ciclo e pelo liceu. O verbo mais correcto talvez seja "levitar". Sim, muito melhor. Levitavam pelo ciclo e pelo liceu. Nós os mortais é que andávamos. As gajas boas usavam calções de licra pretos com uma banda vertical colorida na parte exterior da coxa. Calções esses, que deixaram de ser comercializados, pois provou-se serem responsáveis por inúmeros torcicólogos em rapazes. As gajas boas, não podiam sorrir para os mortais. Cada qual no seu lugar como manda a regra. Mas todas as regras necessitam de excepção, e por vezes as gajas boas soltavam um sorriso. Um sorriso à solta é como um cão quando sai à rua. Estou certo que o leitor compreende esta minha analogia, mas eu estaria muito mais seguro se um dia conhecessem o Tolstoy, que mais que um cão, é uma verdadeira gargalhada itinerante. Ficavam pois os rapazes cativos, e a felicidade rebentava com as fortes costuras (o que vale é que as mães tem sempre à mão a agulha e o dedal).
O problema é que as gajas boas hoje em dia já não são boas e cada vez que vou à Póvoa tenho sempre a infelicidade de me cruzar com algumas. Ainda se chamam gajas boas, é certo. O tempo deixa estas conotações impossíveis de esquecer. Um pouco à imagem do cotão, que volta sempre ao local de onde o afugentaram. As gajas boas perderam o seu encanto e as ancas parecem ter ganho uma identidade nova. As madeixas brancas já são demasiado evidentes e as rugas impossíveis de disfarçar. Vejo-as cansadas e a expirar um ar demasiado viciado.Não consigo deixar de ficar triste com o desaparecimento das minhas gajas boas. São parte integrante da minha vida e agora tenho de assistir passivamente ao seu desaparecimento. É demasiado doloroso. Agora que penso... também eu estou a desaparecer! As gajas boas só desaparecem para eu saber que também eu estou a desaparecer. Caramba...desde o dia 27 de Dezembro de 1979 pelas 19h que me encontro em risco de extinção.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A importância da ferramenta

Hoje vou correr. Não acordei à hora devida, mas o compromisso com terceiros (porque os segundos foram há muito esquecidos pelas seguradoras), obriga-me a ir sacudir o corpo. De preferência a um ritmo mais elevado que o do merengue. Não que as danças latinas não tenham o seu suor, mas para isso são precisos uns bons sapatos de verniz, e isso é coisa que não tenho. As minhas sapatilhas estão definitivamente afastadas do "dança comigo". Estão condenadas a servir à mesa em ambientes de terra batida, asfalto ou cascalho. É a sua sina e não vale sequer a pena, a gente se indignar com isso. A semana passada debaixo de uma chuva torrencial joguei futebol. Um derby: portugueses contra brasileiros. Adivinhei de imediato que estavamos condenados à derrota. Não por causa do enorme talento carioca ou paulista, mas devido a um facto ainda mais importante: um dos brasileiros iria jogar descalço. De imediato me lembrei de uma conversa que tive com um amigo meu sobre jogging:"se não tivesse estas sapatilhas não viria correr". De facto as sapatilhas parecem transformar o corredor no Carlos Lopes (o de Los Angeles é claro pois o de agora deve estar relacionado com o milho transgénico). Depois de calçadas (com meias para potenciar o efeito), as sapatilhas dinamitam por completo a preguiça, surgindo um jorro de vontade em seu lugar. A importância da ferramenta é algo de assombroso e hilariante. A nossa dependência perante objectos assume contornos quase tão jocosos como as piadas que se faziam sobre o Bocage.
Vou tentar inverter esta corrente e por isso não vou correr. Vou a casa buscar a camisa de lantejoulas. As minhas sapatilhas hão-de servir para o merengue...

domingo, 6 de janeiro de 2008

A questão das mãos

Recordo uma programa sobre o Carlos Paredes. O jornalista José Carlos Vasconcelos referia que a nossa guitarra de Coimbra não sabia o que fazer às mãos. Apenas quando se sentava, com o cordofone em forma de coração no colo, é que as suas mãos encontravam algum sossego. As mãos são realmente um problema. Talvez por isso eu sempre tenha tido o hábito dos bolsos. Por vezes até encontro uma moeda que sempre entretém os dedos. Principalmente o anelar esquerdo, pois é de todos, o mais nervoso. Já se viu mais algum dedo a reclamar quase uma vida inteira por uma porção de ouro circular? Os telemóveis vieram agravar a questão das mãos. Se uma mão alheia pega num telemóvel para atender uma chamada, as nossas mãos começam com suores frios (um pequeno desvio neste caminho pois é imperetrível dizer que nunca percebi esta história dos suores "frios", tendo em conta a nossa temperatura corporal de 37ºC....). Voltando às protagonistas deste texto, temos então as nossas mãos numa impaciência quase a roçar o limiar da audição. Mil e um movimentos acontecem: vão aos bolsos ver se as chaves de casa lá estão, penteiam uma madeixa de cabelo, elevam o copo para mais um gole, afrouxam o nó da gravata...mas o nervosismo não atenua. Por fim caem novamente em tentação. O investimento na clinica de reabilitação todo por água a baixo. Num ápice atiram-se ao telemóvel como uma criança perante um frasco de biscoitos de laranja. O teclado é desbloqueado num milésimo de segundo e a adrenalina volta a circular pelos vasos sanguíneos. Mesmo sem mensagens, mesmo sem chamadas não atendidas. Um pouco de paz finalmente.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Manobras desalinhadas

O nosso corpo é um traidor. Assim que viramos costas, somos atingidos por esta evidência. É inacreditável o número de mazelas que acumulamos sem ter sequer uma ideia da sua origem. O pensamento não está adaptado com o corpo que o conduz. Por isso vamos contra portas, tropeçamos em nós mesmos e as próprias unhas, parecem lanças de automutilação. Existem no entanto acidentes de percurso, que podem não marcar o nosso corpo, mas que marcam mais a fundo ainda, o nosso comportamento: a dança do garfo e faca. Um segura o bife enquanto a outra executa linhas de corte retilíneas. Por artes quase mágicas, o corpo toma conta da ocorrência e surge um movimento mais brusco. Resultado: roupa manchada pelo molho de pimenta rosa. A camisa verde alface onde pasta o cavalinho bordeaux de uma marca qualquer, fica deste modo sarampintada pela dita guarnição. Os corpos alheios soltam um sorriso, mas a situação é de todo embaraçosa. Uma noite condenada disfarçada com um tira-nódoas disponível ou com uma água barrenta de uma torneira que já viu melhores dias.
Por vezes me pergunto qual o significado destes acontecimentos. Parecem armadilhas do Diabo (escrito com letra maiúscula porque o respeitinho é muito bonito). Manobras desalinhadas que nos recordam que o corpo é mais importante do que muitas vezes julgamos. Até ele tem vida própria. Mas no fundo, isto é demasiado evidente, pois até o pensamento tem direito a férias. E pela leitura deste texto facilmente se compreende que o pensamento deveria ter ido de férias antes de ter comprado tal camisa, pois a pressão do bom gosto social, requere concentração. Mas não culpemos de imediato este pensamento. Soube agora que a camisa tinha-lhe sido oferecida pela avó. E no que toca a isso, a moda não tem idades...

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A razão do título

Nunca me deitei num colchão de água. Presumo no entanto que seja um local confortável para qualquer corpo que dele se sirva. Ao mesmo tempo, não me parece que seja fácil de lá sair, como uma areia movediça que nos prende à preguiça do corpo. O bem estar e a prisão, como se ambos pudessem conviver em perfeita harmonia. O colchão de água é como um molde dentário. A minha impressão digital neste universo http:// em que hoje em dia vivemos.