sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

As gajas boas

As gajas boas estão a desaparecer. A palavra tem mesmo de ser "boas". Não há outra forma para as definir. Palavras como lindas, bonitas, elegantes ou jeitosas, morrem pela sua própria limitação, e o leitor poderia distanciar-se de quem pretendo retratar. As gajas boas da minha vida andavam pelo ciclo e pelo liceu. O verbo mais correcto talvez seja "levitar". Sim, muito melhor. Levitavam pelo ciclo e pelo liceu. Nós os mortais é que andávamos. As gajas boas usavam calções de licra pretos com uma banda vertical colorida na parte exterior da coxa. Calções esses, que deixaram de ser comercializados, pois provou-se serem responsáveis por inúmeros torcicólogos em rapazes. As gajas boas, não podiam sorrir para os mortais. Cada qual no seu lugar como manda a regra. Mas todas as regras necessitam de excepção, e por vezes as gajas boas soltavam um sorriso. Um sorriso à solta é como um cão quando sai à rua. Estou certo que o leitor compreende esta minha analogia, mas eu estaria muito mais seguro se um dia conhecessem o Tolstoy, que mais que um cão, é uma verdadeira gargalhada itinerante. Ficavam pois os rapazes cativos, e a felicidade rebentava com as fortes costuras (o que vale é que as mães tem sempre à mão a agulha e o dedal).
O problema é que as gajas boas hoje em dia já não são boas e cada vez que vou à Póvoa tenho sempre a infelicidade de me cruzar com algumas. Ainda se chamam gajas boas, é certo. O tempo deixa estas conotações impossíveis de esquecer. Um pouco à imagem do cotão, que volta sempre ao local de onde o afugentaram. As gajas boas perderam o seu encanto e as ancas parecem ter ganho uma identidade nova. As madeixas brancas já são demasiado evidentes e as rugas impossíveis de disfarçar. Vejo-as cansadas e a expirar um ar demasiado viciado.Não consigo deixar de ficar triste com o desaparecimento das minhas gajas boas. São parte integrante da minha vida e agora tenho de assistir passivamente ao seu desaparecimento. É demasiado doloroso. Agora que penso... também eu estou a desaparecer! As gajas boas só desaparecem para eu saber que também eu estou a desaparecer. Caramba...desde o dia 27 de Dezembro de 1979 pelas 19h que me encontro em risco de extinção.

2 comentários:

Anónimo disse...

Deve ser das poucas vezes que tenho que te dar 110% de razão!!Finalmente um post que exprime na perfeição aquilo que me passa pela cabeça.

P.S: este comentário foi editado depois de um massacre no squash!!

P.S.1: e trata de marcar essa desforra porque estou ansioso por te por a "chorar" de novo por perderes eheheh!!

Anónimo disse...

Nada mais havendo a dizer, fica registada a tua angústia!
Muito bom, este post!!!
Julieta