quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O barco e a ribeira

O barco vai cheio. A ribeira tambem. O barco
leva-nos a descobrir a ilha de Atauro.
A ribeira leva-nos a procurar pedras para reforcar a terra. O barco navega ao som dos caramelos que se desembrulham. A ribeira corre animada com o barulho das arvores que derruba. O barco espera por nos. A ribeira nao espera por ninguem.
O barco e a ribeira. Um sorvete de sabores distintos. Talvez pistacho e chocolate belga.
O barco trouxe a alegria de mais um passeio. Para muitos a emocao da primeira vez. Um novo local, um novo modo de transporte. Agora na popa, agora na proa. Todo um conves como entretenimento. E as cancoes do costume a animar a tripulacao que somos todos nos! O tempo de permanencia na ilha ee de apenas algumas horas. Como se de um cruzeiro se tratasse. E por isso o tempo ee bem aproveitado. As roupas sao rapidamente abandonadas e o mar pela cintura ee adoptado como morada.
A agua nao corre nas torneiras ha 5 dias. O ceu comeca subitamente com protestos na forma de relampagos e trovoes. A chuva ameaca cair e nos vestimos os calcoes de banho. Temos paciencia para esperar. Sabemos que ela viraa. Cada um de nos estaa na sua posicao. A agua chega com vigor e nos nao a queremos deixar fugir. O sabao escorre pelos corpos enquanto se trabalha rapidamente para guardar todas estas gotas preciosas. Os baldes e panelas sao carregados com todas as nossas forcas. Os bracos sao elevados ao ceu e os olhos sao cerrados como num qualquer agradecimento pagao. Mas rapidamente a realidade regressa. Choveu em demasia. A ribeira que ate ha dias era um campo de futebol, ee agora um rio furioso. Tudo leva, tudo destroi. La vai a mangueira, la vai a bananeira. Quase que vamos todos nos tambem, com a proximidade a que estas aguas se encontram de nos. A terra abate-se um bocadinho e todos saltam tres metros para tras. Eu com ar de preocupado, eles todos a rir...




domingo, 29 de novembro de 2009

Dia de passeio

As catupas estao feitas, as guitarras estao no camiao e o sol brilha com vontade. A viagem ate Liquica faz-se entre curvas apertadas e por cancoes do folclore portugues. A agua estaa quente e convida a entrar. Eu tomo a lideranca e o caldo rapidamente entorna. As brincadeiras sao mais que muitas, com guerras de cavalos, discos voadores e mergulhos de todas as formas e feitios. A coragem ganha corpo ao se entregarem nos meus bracos para aprenderem a boiar e a nadar. Eles ficam contentes com as habilidades aprendidas e eu fico feliz com a confianca que ja depositam em mim. O processo para os ganhar emocionalmente ee muito distinto da aproximacao a uma crianca dita normal. Mas as pequenas conquistas sao um de um sabor extraordinario. E funcionam como um estimulo acrescido. O almoco chega com catupas, salsicha e hortalicas sentadas no lencol de areia. A comida ee devorada rapidamente pois tenho de voltar para a agua, pois alguns ja la estao novamente.
O regresso do dia de passeio ee feito com muita chuva fria e sem tecto firme a proteger. Alguns choram de frio e tremem como varas verdes. Mas esfrega-se costas e canta-se a plenos pulmoes pendurados na carrocaria do camiao. Viva Timor Leste, Viva. Viva Portugal, Viva. Viva a Matematica, Viva. E assim afugenta-se as nuvens. E o calor regressa. O calor da gente...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O regresso

Empurrei o portao e entrei. A casa estava estranhamente calma. Cheguei aa cozinha e encontrei-os. Apenas disse "Ola". Vi nos seus olhos toda uma serie de emocoes iluminadas por um brilho estrelar. Senti sorrisos nervosos e movimentos corporais confusos. Todos me estranharam. Nao estao habituados a surpresas. Falei-lhes de saudades. Da compra do bilhete de regresso um mes apos os ter deixado. Mostrei-lhes a fotografia deles que sempre carreguei comigo. Puxei-os para mim ao longo do dia. O medo inicial desapareceu e todos se entregaram.
E ja nos estamos todos a rir com os disparates habituais. A sala de aula ee mais de festa do que de aborrecimento e o campeonato escola ministro joao ferreira estaa ao rubro. Porque neste lado do mundo ainda ee possivel jogar futebol sem bola, piolho, lencinho, aumenta, submarino ou ate mesmo a muralha da china. Os jogos que fizeram parte da minha meninice e que agora tambem preenchem a infancia destas criancas.
Assim se faz este regresso. Com a confianca para me dizerem os nomes que lhes aceleram o coracao e com o ousadia para me fazerem um pergunta dificil "quando ee que o Joao agora volta a Timor"? Que depressa passou esta primeira semana...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Mar impossivel

Cheguei ha pouco a Singapura e acabo de sair de uma sala de cinema. O argumento nao era novidade: a Natureza dita as suas leis e o mundo como o conhecemos ee destruiido. Uma das cenas ee passada na Capela Sistina com o seu magnifico tecto a desfazer-se em pedacos. Como se fossem as minhas dez mil pecas que juntei nuns meses de Outono. Cada experiencia vivida ee uma peca do puzzle que todos noos somos. Somos barro e nao pedra. Vamo -nos moldando com o passar do tempo ha medida que as pecas se juntam. Todas as pecas do puzzle sao singulares. Os mais obtusos dirao que certos puzzles sao uma monotonia ou porque tem demasiado ceu ou demasiada areia como nesta fotografia. As pecas podem parecer iguais, mas sao sempre diferentes. Cada uma apenas ocupa um determinado lugar. Nestes dias que antecedem Timor acumulei mais algumas experiencias. Em Mui Ne lutei contra um mar impossivel numas aulas de windsurf e de surf. As condicoes metereologicas eram pre-tufao e so tive as aulas porque o instrutor percebeu o quanto era importante...para a minha famila. Passei a grande maioria do tempo debaixo de agua o que nao ee propriamente o objectivo destas modalidades. Na onda em que fui arrastado por mais tempo lembro-me perfeitamente de pensar vais ver que mais 2 ou 3 secundos e isto acaba. Assim que consegui por a cabeca fora de agua ouvi novamente "waaaaaaaave".
A recepcao no aeroporto de Phu Quoc Island nao poderia ter sido melhor. Mais uma partida aa boa maneira espanhola que me fez rir aas gargalhadas. Ja para nao falar das plumas que tinha o rapaz que me foi buscar. Uma ilha ainda paraiso, mas com o conceito resort ja a bater aa porta. Mas ainda ha espaco para as comunidades rurais que sempre nos alimentam o ego a cada paragem.
Ha depois o regresso aa cidade grande. Desta vez Ho Chi Minh City, para sempre eternizada nos filmes de Hollywood como Saigao. Os 5 milhoes de motas em circulacao nao convidam o peao a atrever-se a sair de portas. No intervalo de um dos meus passeios, li uma noticia que me deixou completamente perplexo: um famoso jogador de golf foi apanhado com doping. Depois fui conhecer o War Remnants Museum. As fotografias da guerra do Vietname contrastam abissalmente com a noticia que abalou o mundo do golf. A unica coisa que compartem ee o facto de ambas lidarem com quimicos. Estas tristes fotografias repetem-se diariamente em muitas partes do mundo e nem por isso chegam a ser noticia. Mas o doping no mundo do golf ee sem duvida uma preocupacao a ter. Nem imagino o que teria sido se o doping tivesse chegado ao bilhar livre. Talvez seja preciso aumentar o numero de cabos electricos para criar um Homem mais iluminado.













quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Eles nao sabem

Ontem encontrei um bandolim. Peguei na palheta um pouco a medo mas a memoria fluiu dos meus dedos. Viajei por uma noite de capas tracadas e vozes soltas ao vento. Sorri.

O meu bau de lembrancas precisa de dobradicas novas. Perdi a conta ao numero de vezes que nos ultimos meses recordei as minhas vivencias! Da infancia ate agora. Viajar sozinho ee assim mesmo. A abertura ao mundo ocorre em simultaneo com a concentracao em quem somos. Das muitas coisas que pensei, existe apenas uma que me visita diariamente. Visitar nao seraa o verbo certo. Acompanhar ee o verbo apropriado. Acompanha-me a toda a hora. Sim, muito melhor.

Um dia eu estava na Indonesia e perguntei ao meu amigo Aristoteles: "Entao pa, hoje ja te encontraste?". A sua resposta nao poderia ter sido melhor: "Duas vezes antes do pequeno almoco". Saberemos de verdade quem realmente somos? Creio que somos uma amalgama de tres imagens: quem pensamos que somos, quem os outros pensam que somos e quem gostariamos de ser. Mas nenhuma dessas facetas ee quem verdadeiramente somos. Esta essencia tem o nome de Amor.

Todos noos tocamos o Amor inumeras vezes ao longo da vida. Mas por ser uma essencia, nao o podemos tocar todos os dias. Loucos sao aqueles que o aspiram. O amor ee como um frasco de perfume depois de aberto. A essencia evapora-se. Mas ao mesmo tempo fica la. Como quando recordamos o cheiro de alguem num estranho de passagem ou numa camisola de la esquecida no armario. A isso apelido de felicidade. Esse respirar compassado do amor que por ali passou.

Os dias em que se toca o amor sao unicos, irrepetiveis e inesqueciveis. Ficam para sempre alocados a imagens, sons, cheiros, sabores e toques. E a locais tambem. Dizem as regras da sensatez que nunca deveremos voltar ao lugar onde ja fomos felizes. Mas a excepcao tambem faz a regra.


Eles nao sabem que eu vou voltar. Eles nao sabem que todos os dias quis voltar. Eles nao sabem que falei deles a todas as pessoas que conheci.

Eles nao sabem o quanto me fazem feliz. Eles tambem nao sabem que sempre que o homem sonha o mundo pula e avanca.

Agora vao sabe-lo.

Daqui a 10 dias regresso a Timor.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O mar enrola na areia

Na cidade de Nha Trang encontrei um mar que enrola na areia.
Um par de namorados perfeito como aquele que mora la na Povoa. Ora chega, ora vai, ora chega, ora vai...uma danca hipnotizante onde a areia ee embalada. E ela jura-lhe fidelidade e nunca se cola a um pe descalso para encontrar outra morada. Chamam-lhe areia grossa, eu chamo-lhe areia boa. Este mar deixou-me mostrar a minha tecnica poveira, a qual so se domina apos muitos dias de bandeira vermelha. Ouvi o queixume deste mar: "Olha o que o Homem me faz. Estragula-me entre asfalto e edificios. Nao me dao 50 metros de vista desafogada. Se me queres ver longe dos muros da cidade, viaja ate ao sul". A Marta acelerou na mota automatica e la se comecou a viagem. As nossas tentativas de chegar aa praia a sul esbarraram muitas vezes nas palavras dos militares que nos bloqueavam a passagem:"terreno militar" - diziam eles. Por entre as obras de um resort, uma janela de oportunidade e todo um areal por nossa conta. De noite brinda-se ao sucesso desta aventura num restaurante ja meu conhecido. Ja la tinha comido sozinho por tres vezes. Numa das refeicao sai-me um "delicioso" em vietnamita. Duas raparigas que la trabalham perguntam-me se sei mais alguma coisa em vietnamita e eu digo a outra coisa que sei dizer: "ees muito bonita". Nas 3 refeicoes seguintes tenho por companhia a Marta, uma espanhola que tinha conhecido no Cafe des amis. Comprometida aa 7 anos e a descansar do voluntariado aqui no Vietname, nada melhor que armar um barraco fingindo-se de minha namorada! As nossas conversas com as raparigas eram de morrer a rir, com a Marta a dizer que me emprestava para elas poderem sair comigo."Very handsome, very handsome", "You and him many problems". A Marta seguiu para Ho Chi Min e eu fiquei mais um dia. Quando me apanham sozinho ao pequeno almoco, perguntam-me: "Where is your girlfriend". A minha resposta foi pronta :"She is not my girlfriend. We are just lovers. We are both married". Nem terminei a panqueca de tanta dor no estomago de tanto me rir!!

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cafe des Amis

Quis o acaso que numa manha fosse parar ao restaurante errado. A minha ideia para o ultimo pequeno almoco na cidade Hoi An era regressar a um restaurante de uma instituicao de solidariedade, no qual ja tinha jantado. Rondei o restaurante com a bicicleta e apercebi-me que ainda estavam fechados. Algumas portas ao lado um homem barrigudo em tronco nu chamou-me para o seu restaurante. Assim conheci Mr. Kim e o seu Cafe des amis. Pareceu-me entrar numa tasca aa moda antiga mas quando ouvi chamar Chocolat ao cachorro os meus sentidos dispararam. Apurada a minha nacionalidade mostraram-me todos os comentarios deixados por Portugueses. As referencias eram favoraveis em todas as linguas. O unico menu que havia era de bebidas e apos a aterragem do cafe na mesa, perguntei timidamente se havia pao. Trouxeram-me uma baguete e uma manteiga, mas a verdade, ee que nao me encheu o olho. Mas a conversa era excelente e a musica francesa que ecoava das colunas tornava o ambiente ainda mais bizarro. Fiquei a saber que Mr Kim era um chefe famoso que passava 6 meses por ano na Europa em apresentacoes gastronomicas! Apos me ter dado a experiementar um doce comprado no mercado, que tambem nao me impressionou, acabei por prometer aparecer para o almoco. O sistema ee bastante simples. A escolha ee entre peixe, carne e vegetariano. Nao ha mais informacao. Depois a magia acontece entre os 5 pratos de comida que colocam aa nossa frente. E todos os dias a magia ee diferente conforme o lado para que o Senhor Kim acorde e aquilo que lhe apeteca cozinhar. Mas antes disso vamos falar de Hoi An. Mais uma cidade patrimonio da Unesco que convida ao passeio. Tudo ee antigo e tudo ee bonito. O que salta mais aa vista nesta cidade ee a importancia da costura. Todas as portas se abrem em alfaiatarias, sapatarias ou modistas. Tudo sao gravatas, sapatilhas, gabardines, fatos, vestidos de noiva, botas de cano alto. De tudo o que se possa imaginar. Basta escolher o modelo na revista preferida e passadas algumas horas ee so fazer a prova. Pelo meio nada melhor que tirar uma soneca na pacatez e vivacidadade desta cidade. Ou entao dar um pulo a todas as casas historicas, templos e museus que a cidade tem para oferecer. Melhor ainda ee ir assistir a um espectaculo de dancas tipicas e passar todo o tempo a fazer olhinhos a uma bailarina para ela perder a concentracao entre risinhos indiscretos.
A minha estadia em Hoi An terminava ontem. Bilhete reservado e mochila feita. Mas foi ontem pela manha que entrei no restaurante errado, que afinal de contas, viria a ser o restaurante certo. De volta ao almoco. A melhor comida que comi desde que deixei Portugal. Um misto de sabores e texturas que fazem fila de espera dentro da nossa boca. Toda uma novidade de emocoes servida com uma atencao e com um carinho nao mensuravel. O Senhor Kim e a sua famila so nao nos leva a comida aa boca, porque enfim. Terminado o almoco fui cancelar o meu bilhete e voltei para o jantar. "Como ja percebi que gostas de peixe, ao jantar vais comer peixe novamente mas tudo diferente". E assim foi. Toda o mesmo ritmo de sensacoes. Desta vez com o restaurante cheio e com o Sr Kim a servir-me como aperitivo "Este ee o meu amigo Portugues que mudou o seu bilhete por causa da minha cozinha". Hoje fui la novamente aa hora do almoco mas ainda de barriga cheia. Depois do cafe tomado o Sr. Kim perguntou-me se eu queria almocar. Pedi desculpa e confessei-lhe que apos o jantar de ontem tinha ido andar quase duas horas de tao cheio que ainda estava. Entre gargalhadas o Sr. Kim la me disse. Vou so preparar-te um pratinho para provares. E assim me trouxe mais uma iguaria acompanhada de um doce fabuloso. Levantei-me para pagar e um dos empregados disse-me que o Sr. Kim tinha ido dormir mas que tinha deixado claras instrucoes que eu nao teria que pagar nada. Cafe des Amis. Nunca um nome fez tanto sentido!









sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Don Quixote

Sempre gostei de brincar ao Carnaval. Vestir outra
pele por um dia. Marchante, pirata, poveirinha, mulher da vida, mimo, espantalho e ate Amalia Rodrigues. Assumi todas estas personagens quando ja era um ser pensante. Continuo a imaginar-me trajado de muitas outras personagens. Com excepcao de uma: Dom Quixote. Da mesma forma que a camisola 23 dos Chicago Bulls seraa sempre do Michael Jordan, o fato de Dom Quixote seraa sempre da minha amiga Melanie LaVita. Nao ha portanto grande coisa a fazer. Mesmo considerando um cenario hipotetico no qual o traje de Dom Quixote nao figure no ceu de Torres Vedras, eu estaria sempre impedido de recriar tal personagem. A graca do Carnaval advem exactamente de sermos
outra pessoa por um dia. Sao demasiados os dias em que me vejo como Dom Quixote, e por isso nao me posso mascarar de mim proprio. Seria Dom Quixote assim tao diferente de todos noos? Sinceramente nao o creio. Conduziu o seu empreendimento com base nas suas crencas. No fundo ee que aquilo que todos noos fazemos. Somos depois julgados por isso... e a julgar a diferenca somos todos especialistas. Se as apreciacoes sobre Dom Quixote nao passam de um romance, ja o julgamento de Galileu pouco tem de ficcao.

Eu acredito nos gigantes de Dom Quixote. Eu proprio vi gigantes aa deriva nas aguas de Halong Bay. Suspensos na neblina do Mar da China prontos
a esmagar os barcos mais atrevidos.
Teraa Dom Quixote ignorado o Antigo Testamento no meio do seu fascinio
por livros de cavalaria? Se o tivesse lido saberia que o pequeno David derrubou o gigante Golias por intermedio de uma funda. Talvez o facto de ter investido contra os gigantes os mesmo se tenham transformado em moinhos de vento. Nunca se saberaa a verdade. E a verdade vem da experiencia. Como a que Noe teve a quando do diluvio ou a que eu tive apos um dia de chuva da cidade de Hue.




segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Carpete vermelha

A introducao a um paiis ee sempre algo de peculiar. Ainda mal tinha posto os pes em terra e ja estava envolvido no Vietname. O taxi que me levou ate ao centro de Hanoi ate parecia um embaixador do transito local. Nada melhor que duas inversoes de marcha em plena autroestrada. Sem luz para nao encadear os outros veiculos e bem chegadinho aa esquerda para podar o arvoredo da berma. Passada mais de uma hora de conducao avisto finalmente os meus amigos Fernando e Elena que ja me esperavam nas escadas do hotel. Mas ate ao taxista perceber que tinha de parar ainda andamos uns duzentos metros. Depois dos abracos da praxe o primeiro grande desafio. Sempre me considerei um verdadeiro expert no que toca a atravessar estradas, mas aqui nao ha regras, prioridades ou cedencias. Ee cada um por si. So consigo comparar isto a algumas romarias nacionais como o S. Pedro da Povoa, as Feiras Novas de Ponte de Lima ou o Carnaval de Torres. Mas nesses casos apenas ha peoes. Nunca vi tanta mota na minha vida e elas aparecem aos magotes e vindas de todo o lado. Iria jurar que ate avistei algumas a vir do ceu. Os meus amigos decidem entao encaminhar-me para um bar. Mas nao um bar qualquer. Apelidamos tal espaco como Carpete Bar. O bar nada mais ee que uma simples carpete colocada em cima do passeio. As cervejas aparecem acompanhas de um balde de gelo e uma lula seca ee rasgada em pequenos pedacos. Tudo de geracao espontanea. Nao ha casa de banho, porteiro ou musica ambiente. Ee apenas rua. Amanha o bar poderaa nao estar aqui. Talvez esta rua nao seja boa para negocio. Mas enquanto aqui estaa, noos brindamos ao pulsar desta cidade. E sao inumeras as coisas que ali no chao vivemos. Demasiadas. Nunca caberiam em nenhum verso deste mundo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Voar por cima dos giboes

Nos meus tempos de adolescencia, parava muitas
vezes na pastelaria PaoPovoa. O pedido era quase sempre o mesmo: "uma beijoca". Um bolo com um nome atrevido e com uma cereja a servir de chapeu. A minha aventura no Laos termina com uma cereja de nome Gibbons Experience. A expectativa vinha sendo alimentada desde que me falaram disto na Australia. Tudo comeca com mais uma extenuante caminhada pelo meio da selva. As sanguessugas nao dao descanso a pes portugueses, americanos e neo zelandeses, e o sangue jorra com bom volume. Apos duas horas de esforco chega o primeiro cabo. O arnes ee colocado, a seguranca verificada e depois ee so lancar o corpo pelo ar. Entre gritos de tarzan, palavores e risos desconcertantes, assim se voa por cima da selva. A excitacao estaa literalmente no ar e apos as primeiras licoes de voo, ja toda a gente voa de maquina fotografica em punho. Chegada a noite recolhemos a casa. Mas nao uma casa qualquer. Uma casa construida no topo de uma arvore a mais de 50 metros do chao. Para la chegarmos tambem tivemos que voar. Sao 06h30 e ja estou novamente pendurado. O som metalico do cabo mistura-se com o canto da Natureza numa hamonia perfeita. As caminhadas sao intervaladas com mais cabos e pelas aguas frias de uma piscina natural a que ninguem diz que nao. O cansaco leva-nos a outra casa no topo de outra arvore e a chuva ataca sem parar. A noite vai
caindo e eu desapontado por nao poder fazer mais zippings nesse dia. Faltam 20 minutos para a noite cair por completo e a chuva amaina subitamente. Um dos nossos guias acede a conduzir-me pela floresta numa derradeira volta. Apenas uma americana decide juntar-se a noos! Ee uma sensacao indescritivel poder deslizar nestas condicoes. A selva como nunca a vi. Um misto de ilusoes. O condensado do nevoeiro, o negro do arvoredo e os sons terrificos da chuva a embater na terra. Ao terceiro dia ja ninguem quer saber das sanguessugas. Encontramos zippings ainda mais radicais com vistas inacreditaveis. De uma arvore apenas soltavam-se 4 cabos distintos e era uma sensacao fantastica podermos voar uns sobre os outros! Passei o dia a correr para poder voar o maior numero de vezes. So me lembro de correr tanto quando em crianca fui pela primeira vez a uma aquaparque.
Mortos de cansaco a aventura termina com a viagem de regresso a estrada principal. A chuva grossa que se esbateu, trouxe consigo trabalhos forcados. A pickup ficou atolada varias vezes na lama e tivemos todos que colaborar! A lama abracou-nos a todos e o riso soltou-se uma vez mais. E muito
se riram os passageiros do autocarro de 11 horas em que me meti de imediato. Pois nao ee todos os dias que se ve um camone coberto de lama!

domingo, 11 de outubro de 2009

A cantar ee que a gente se entende

Preciso uma vez mais das palavras que a Katia canta: "e assim fico sentado com as algas a boiar, de queixo na mao pousado, oo meu barquinho parado...". Existem bazaroquices que nao tem descricao. Apesar de uma viagem desta natureza nos dar a conhecer quao saborosos os sapos podem ser, no que toca a engoli-los, so mesmo o correr da plaina do tempo. Cada pessoa reaje de forma diferente no que toca a desagrados.
Ha quem se comporte da seguinte forma:
Jovem Israelita"- No meu paiis quando estaas num tour nao tens de pensar. So tens de seguir o guia pois ele ee pago para pensar por ti"
Quase Trintao Portugues "- Isso significa que se no teu paiis o guia se atirar de uma ponte tu tambem te vais atirar"
Tivemos de atravessar um rio em cima de uma pequena jangada de bambu. O guia tinha dito que deveriam ir tres pessoas de cada vez...e que era aconselhavel tirar os sapatos. O guia salta
para cima da jangada. Ee seguido pelo jovem israelita e a jangada da sinais evidentes de ser um Titanic. Assim que o barrigudinho
suico poe os dois pes em cima do bambu, a jangada evapora-se. Escusado seraa dizer quem ee que estava de botas. Depois de tres dias de trecking desafiei o guia para um quarto dia em velocipede pelas redondezas de Luang Nam Than. Junto duma outra pequena aldeia etnica perguntou-me qual o nome da etnia que tinhamos visto no primeiro dia. Nao compreendeu como era possivel eu ja me ter esquecido, mas de imediato ergueu a bandeira da paz, quando questionei se ele sabia o meu nome. E uma cervejas para comemorar mais uma amizade e um karaoke asiatico a condizer. Asiatico e sueco, pois se nao me engano cantei a Dancing queen...






terça-feira, 6 de outubro de 2009

O riso da fortuna e do azar

Quis a fortuna que no dia 3 de Outubro eu fosse o unico passageiro a querer ir para um determinado destino. Quis o azar nao haver mais ninguem para partilhar esta viagem. Eu poderia ir na mesma, mas teria de abrir os cordoes aa bolsa, para pagar o preco minimo requerido. As opcoes de transporte publicos nao existiam e por isso tentei pedir boleia ou negociar um preco simpatico com motoqueiros locais. O azar riu-se das minhas frustradas tentativas e apesar de inconformado la me meti num transporte de volta a Luang Prabang. Regressei assim a Wat That Guesthouse na qual tinha vivido tempos muito bons. Mal sabia eu de duas doces coincidencias. O filho da Noy fazia anos nesse dia e eu fui
feito de imediato convidado. Fascinou-me
particularmente a cerimonia budista previa
aa comida. Com os adultos a abencoar os convidados com ofertas de pulseirinhas brancas de forma a dar sorte ao miudo. Enquanto eu jantava uma sopa deliciosa no Laos, em Portugal toda a minha familia almocava coelho, na festa de aniversario do meu pai e sobrinha Maria. A lua cheia de Outubro trouxe consigo a segunda coincidencia. Ee uma data muito importante no calendario budista e Luang Prabang veste-se a respeito com foguetes, corridas de barcos e lanternas multicolores. E nao ee que o ponto de encontro ee no templo do meu amigo Kham? Barracas de comida, karaoke, jogos de sorte e azar. Um pouco de tudo. Fiz equipa com os meus monges no que toca a atirar setas e la conseguimos uns ovos enlatados e umas garrafas de sumo. O azar riu-se mas a fortuna nao lhe ficou atras!

domingo, 4 de outubro de 2009

Tiger Bomb

Foi com ageis gestos de uma tesoura de
papel, que recordei as palavras do Caetano: "Debaixo dos caracois dos seus cabelos, uma historia para contar de um mundo tao distante..."Um pescador com experiencia de barbeiro, bailou aa minha volta com movimentos de pugilista, esquivando-se ora aa esquerda ora aa direita, dos golpes desesperados de um cabelo com tendencias anarquicas. Galinhas, porcos, patos, caes e gatos, tambem rondavam o banco de madeira na terra plantado, no qual me sentei. Afinal de contas, nao ee todos os dias que uma juba desta natureza, se da a conhecer na pequena vila ribeirinha de Muang Neau. Com a falta de cabelo propria da idade, comecei mais uma caminhada. Desta vez acompanhado pelo Fernando
e pela Elena. Como se de uma partida de futebol se tratasse, tratamos de trocar galhardetes de apresentacao. Do lado Portugues as fotografias de Timor, e do lado Italiano, as fotografias do orfanato do Bangladesh no qual viveram um temporada inesquecivel. A conduzir-nos nesta viagem tivemos o Pam. O playboy local apelidado de Tiger Bomb. Na carteira, fotografias de turistas japonesas e coreanas, mas nenhuma da namorada!! Entre vermes fritos e esquilos guizados, mostrou-nos esta regiao do Laos. A primeira noite foi passada numa pequena aldeia no cume de uma montanha. O equilibrio perfeito entre gente e natureza, consegue sentir-se a milhas de distancia. O sorriso que nos oferecem
perante um trago de lao-lao ee por demais transcendente. Um mundo de criancas feitas adultos. Uma mao cheia de arroz com chili para apaziguar a fome diaria e a outra mao pronta para um feliz aceno.
Por entre caminhadas de pe descalco, o problema habitual do deslize e das terriveis sanguessugas. Mas nada melhor que uma descida de rio deitado em cima de camara de ar de camiao, para recuperar o animo. E os anzois de pesca entregues aa sua propria sorte, porque mais importante que o peixe para o jantar, ee a partilha de experiencias vividas neste mundo tao contraditorio.

domingo, 27 de setembro de 2009

Laranja



A chegada a Luang Prabang ee recheada de encontros com caras conhecidas de outras paragens. Nada melhor que a partilha de um caiaque para por a conversa em dia, a qual basicamente se resume, a dicas sobre locais de interesse a visitar.O Mekong apresentou-se muito calmo, mas nem por isso me livrei de um naufragio involuntario. Felizmente o nosso guia foi rapido o suficiente para salvar o meu chapeu de Timor Leste. O chapeu que o pequeno Tomas me comprou com os 3 dolares que lhe dei pelo facto de ele ter alcancado a terceira melhor marca no exame que la realizei. Mas a generosidade tambem
continua por estas paragens. Encontra-se
em todo o lado. Talvez por essa razao tenha decidido prolongar o meu tempo de estadia neste
fantastico paiis. Aqui nao ee necessario navegar aa bolina. O vento que esta gente emana ee por demais favoravel. Desde a cozinheira da pensao que me leva ao mercado para comprar cobra para o jantar ate aas gentes do campo que me convidam a por o descanso na bicicleta e a sentar-me um pouquinho a conviver. Esta cidade patrimonio da Unesco ee um colar de perolas no qual o Mekong funciona como o fio na qual flutuam templos magnificos. O verde ee a cor dominante, mas o laranja tem o seu papel determinante, na identidade deste local.
Sao centenas os monjes que aqui vivem. Hoje passei
grande parte do meu dia a conversar com alguns
novicos. Falei principalmente com o Kham, um rapaz de 17 anos. Ee incrivel descobrir as suas motivacoes, necessidades e faltas que comete aas 10 rigidas regras que tem de seguir. Mais uma vez fui brindado com a generosidade. Uma pulseira budista feita por ele e que apenas os monges podem fazer e oferecer. Em troca dei-lhe as impressoes da fotografias que tiramos juntos. Amanha vou acordar as 04h00 para ir oferecer comida aos monges do templo do Kham. Ee um movimento super interessante. Luang Prabang acorda todos os dias a essa hora para essa cerimonia encantadora. Todos as madrugadas, os monges da cidade, caminham em volta do seu templo a pedir comida e a abencoar as pessoas. A crenca deste povo ee enorme e todos os dias as ruas estaos cheias de gente a distribuir arroz pelos monges. Amanha ee a minha vez.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Mais tempo

Apesar de ter apanhado mais um pequenino aviao, o meu ritmo de viagem sofreu um abrandamento. Os dois grandes responsaveis por esta mudanca de atitude sao a Augustina e o Luc. Foi com surpresa, que descobri na literatura da primeira, referencias aa praia da Povoa, as batatas de Aver-o-Mar e aos tapetes de Touguinho. Um cheirinho a casa, e aas minhas repetidas tardes de sabado, passadas na companhia de um livro, cafe cheio e agua com gas. Deixei-me ficar assim, a saborear o passar do tempo no meu quarto flutuante. A mesma paz nao se sentiu nas grutas de Vieng Xay na qual os responsaveis politicos do Laos viveram mais de dez anos. Ee uma viagem fascinante por entre tuneis e instrumentos de purificacao de ar. La fora caiam 2 milhoes de toneladas de bombas. Os Americanos decidiram ca deixar uma tonelada de bombas por habitante. Um povo generoso.
Uma curiosidade por estes lados do Laos ee o facto de nos autocarros se distribuir sacos plasticos, nao va o bolo alimentar decidir meter marcha a re. As viagens fazem-se entre curvas apertadas e montanhas verdejantes. E com pneus calvos como a lei da pobreza naturalmente ordena. As pernas sao esticadas por cima de sacos de arroz e toda a especie de quinquilharia que ee possivel imaginar. As paragens para a casa de banho sao imensamente curiosas, com homens e mulheres a regar os canteiros do caminho, entre pouca vergonha e risadas.
Aa chegada a mais um pensao conheci o Luc. Um Frances de 63 anos que estaa a realizar uma viagem de 12 a 18 meses. Reformado do jornalismo, do consultorio de psicologia, da acessoria na Unesco e de 6 mulheres, anda agora a ver estes lados do mundo. Nao sei se o conceito de fast dating, se pode aplicar neste caso, mas o que ee facto, ee que formamos de imediato um caso serio de sucesso. Nunca falei tantas horas consecutivas com ninguem, e chega a ser incrivel, a confusao que armamos nas nossas conversas. O bacalhau com natas mistura-se com a filosofia de Espinoza, o milagre de Fatima senta-se aa mesa com a maneira de ser dos Indianos, as coxas torneadas de uma Australiana bailam com a tecnologia aeronautica. De tudo se fala. Sem barreiras, preconceitos ou estereotipos. Com mais tempo. Sao outras viagens. De encontro ao Homem. Essa busca continua de saber quem somos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A alma dos ricos

Nas minhas buscas de encontrar um pouco de lingua portuguesa cruzei-me ontem com a Augustina Bessa Luis. Ha muito que procurava um livro escrito em portugues, fosse ele um original ou uma traducao. Desde que fui para a Indonesia tenho passado muita fome no que toca a leitura. Ainda para mais depois da barrigada de livros que tive em Timor. Desde entao, tenho enfiado o nariz em tudo quanto ee alfarrabistas, mas apenas ontem tive sucesso. Encontrei um livro chamado A alma dos ricos. Tal titulo nao poderia ser mais adequado a algumas coisas que tenho pensado nos ultimos tempos. O Homem decidiu mover-se com um objectivo: melhorar a sua condicao. Ainda hoje em dia, existem povos em constante movimento. Compraram aqui ontem, montam hoje ali tenda, amanha vao para acola. As trocas comerciais, sao na grande maioria das vezes, o factor determinante de tais mutacoes. Alguns viajantes que encontro pelo caminho carregam em si este espirito primitivo de viagem. Reclamam descontos em lojas com os precos afixados, servem-se do guia de viagem para justificar o preco das coisas, discutem por montantes que nos seu paises dariam para duas chicletes. Ocasionalmente libertam perolas como a que apanhei ha dias: Esse preco nao ee justo. Ja que nao ee o preco, talvez seja o mundo que ee justo! La diz a sabedoria popular que o peixe morre pela boca: Nao estou preocupada em arranjar emprego. Entretanto vou cuidando dos meus cavalos. No dia em que me apetecer voltar vou ao aeroporto e compro um bilhete na hora. Ninguem tem culpa do berco em que nasce ou do seio em que cresce. Ninguem tem culpa da bolsa com que estuda ou da cunha para o emprego. Creio no entanto, que o estatuto de inocencia tem os seus limites.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Fora de pista

De mota novamente, mas desta vez com os cabelos resguardados num capacete do exercito americano. Fui adoptado por um casal em plena lua de mel, Amelie e Enres, para percorrermos juntos o Bolevard Plateau. A fama desta regiao montanhosa do Laos advem das etnias minoritarias que aqui ainda resistem. Na rifa que ee decidir por um guia, calhou-nos o Alung. Um excelente garfo que nos levou a experimentar um pouco de tudo. Aqui ee cafe, aqui ee cha, aqui ee sopa, aqui ee sapos, aqui ee papaia, aqui ee carne seca... Quase que parecia um roteiro gastronomico. Felizmente a chuva deu-nos algum descanso, pois de contrario, todo o tempo desta aventura teria sido passado a olhar para as panelas a ferver e para a chuva que se abatia.
Um guia super preocupado. Sempre disponivel para sorrir para a camara, como para olhar para tras, para ver se o casal franco-israelita seguia as pisadas da nossa mota. O resultado destes malabarismos foram duas quedas atribuladas, mas sem qualquer lesao ou mazela a resgitar no diario clinico. Na primeira partiu-se o travao da roda traseira em plena descida, na segunda partimo-nos todos a rir com a lama que eu e o Alung comemos. Mas nada como uma sopa de noodles para limpar a poeira.
Vi pequenas vilas ainda intocadas pelo turismo. As pessoas continuam os seus afazeres e os turistas pouco lhes interessam. Ee uma sensacao um tanto ou quanto estranha. Ee como visitar um museu vivo mas em que nada se move.
No topo de uma cascata nadei com um grupo de pequenos rapazes. Na comunicacao possivel, um deles pegou num punhado de lama e desenhou um coracao no meu peito. Depois foi-se embora. Fiquei sem saber o que fazer. Mas as respostas por vezes estao aa distancia de um olhar. Consegui chama-lo com um assobio e atirei-lhe um colar que me acompanhava ha uns meses. O penduro ficava aa mesma altura do coracao de lama que o miudo me tinha dado. Pareceu-me uma justa troca.

Batatas fritas da saudade

Encontro diferencas culturais a cada passo que dou. As batatas fritas de pacote sao um bom caso de estudo. Sabores como a picanha na brasa, chourico ou fritas em azeite, sao aqui substituidos por lula, molho de soja ou chili com mangericao. Tendo em conta o numero de restaurantes de outras nacionalidades que se encontra em todo lado, ee no entanto um bocadinho estranho, a nao internacionalizacao das batatas fritas. Dia 12 de Setembro teria dado tudo por umas batatas fritas com sabor a bacalhau com broa. Este prato recorda-me sempre casamentos. Aqueles a que fui, e aquele a que faltei no dia 12 de Setembro. Faltei, mas estive la na mesma. Como no refletir de um espelho. Estamos la sempre.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A chuva continua

Nao sei quando comecou a chover. Sei que ainda continua. Comecou no Cambodja e seguiu-me ate ao Laos. Aproveitei o meu ultimo dia de Cambodja para ir ver umas quedas de agua. Nada de espectacular comparado ao percurso para chegar junto das mesmas. Absolutamente surreal. A mota andava de lado e ainda nao consegui perceber como nao caimos! Por vezes eu tinha que sair da mota e mesmo assim,o espectaculo do deslize continuava. A destreza do meu condutor valeu-lhe uma fanta de laranja ao final da tarde. Eu decidi saborear as aguas frias da chuva que caiia ao mesmo tempo que nadava numa cratera de aguas quentes.

A viagem Cambodja-Laos foi extremamente curiosa. A carrinha pifou no meio de mais um lamacal. De tudo se tentou um pouco. Apertar e desapertar cabos, ligacoes directas, o belo do empurrao...! Mas ninguem protesta e toda a gente mantem o bom humor. Uma outra carrinha arrasta-nos durante horas ate a uma cidade perto da fronteira. E pronto, agora ee hora da extorsao. O visto nao ee suficiente. Ee preciso mais um dolar de cada lado da fronteira para os "carimbos". Mas nao ha volta a dar. Abre-se a algibeira, diz-se uns palavroes na lingua original, e a vida continua noutro lado.

Laos chega com quatro mil ilhas para descobrir em pleno Rio Mekong. De um lado aguas furiosas, do outro verdes arrozais. Hoje pedalei com mais 3 pessoas por entre lama e saibro. Houve quem lambesse o caminho no meio de quedas cinematograficas. A camara de ar do meu pneu traseiro deu um estouro tao violento que ate fez levantar um bando de patos que por ali andava. Pena nao haver uma cacadeira a jeito para fazer um arrozinho...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

King Kong Man, Crocs e Baguetes

Ainda nao tinha saltado do tuk-tuk e ja estava a ser bombardeado "eu, eu", "escolhe-me a mim", "eu sei tudo"... Estas exclamacoes vinham da boca de quase trinta criancas. Todas gritavam e tentavam ganhar um lugar o mais junto de mim possivel. Silenciei a audiencia e dei o meu veredito. "Vou com esta aqui que ee a mais pequena". E assim tive como guia uma miudinha chamada Nim. Quatro rapazes decidiram juntar-se a noos. "A tua guia ee ela mas nos vamos tambem para praticar o ingles". A Nim, tendo em conta o meu cabelo e os pelos nos bracos e pernas, tratou logo de me por uma alcunha: King Kong Man. Eu tratei de imediato de assumir o meu papel de gorila, com uns fortes gritos acompanhados com murracas no peito. E assim decorreu a descoberta de mais uma zona rural, com plantacoes de pimenta e templos a condizer.
O parque natural de Bokor ee no minimo curioso. No seu topo sera construido um resort megalomano. Com direito a casino e tudo. Talvez eu tenha faltado aa aula de zoologia que referia que os tigres e elefantes eram bons jogadores de black jack. O mais curioso nisto tudo, ee que no cimo desta montanha, ja houve vida, traduzida num casino-hotel, igreja e casitas. Foi tudo abandonado duas vezes. Hoje em dia os turistas trepam a montanha para ir ver as ruinas. Eu tambem fui enfiar-me novamente no mato. Choveu durante toda a subida. Mas fez-se. Uns com mais dificuldade, do que outros. Ha no entanto gente que abusa. Uma rapariga pesadinha decidiu ir calcada com uma Crocs cor-de-rosa levezinhas. Coitadinha. Escorregava como valha-me Deus e caminhava muito lentamente. Mas uma coisa tiro-lhe o chapeu. Podia nao estar bem calcada, mas estaa bem casada. O marido, para alem de carregar todas as mochilas que traziam, cedeu aa mulher os seus sapatos de montanha e calcou ele as Crocs cor-de-rosinha.
Apesar do Agosto dos nossos emigrantes so
regressar no proximo ano,
tenho que fazer uma homenagem: "Vive la France". Todos os colonizadores deixam alguma coisa caracteristica do seu paiis. Os meus amigos franceses deixaram a baguette em todos os paiises da sua Indochina. Ainda fica um pouco longe das baguettes que se compra na padaria junto ao cafe brasil la na minha terra, mas ja daa para enganar as saudades que o estomago chora. Hoje papei duas logo ao pequeno almoco antes de pegar na ginga. Enfiei-me num pequeno bote e fui descobrir uma comunidade que vive na ilha Koh Trong no meio do Rio Mekong. Olhei em volta para localizar o grupo de golfinhos-de-irrawaddy, que fui ontem ver, mas desta vez , nao tive sorte. Talvez tenham ficado debaixo de agua a jogar cartas (aa imagem dos seus amigos tigres e elefantes)...eles sao particularmente bons a jogar aa "pesca/peixinho" (norte/sul). Se nao me engano, acho que aprendi isto no segundo rally das tascas...