quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O dono de casa

Não sei quando é que um homem aprende a ser dono de casa. Uma boa educação é meio caminho andado. Sempre tive que pôr e levantar a mesa, fazer a minha cama e passear o aspirador pela casa. Os vidros, o pó e a louça são também tarefas que sempre conheci. Quiseram os exames nacionais que fosse estudar para a Universidade do Minho. Apenas vi um casa de estudantes. O diálogo com os meus pais foi bastante simples:
Pais: "Esta casa não tem condições nenhumas"
Filho: "É aqui que eu quero ficar"
A casa tinha apenas uma regra: a limpeza semanal. Esta estava dividida em secções: cozinha, casa de banho pequena, casa de banho grande e sala/corredores. Esta regra tinha surgido uns anos antes da minha entrada, num dia em que o Brandão se encheu de fúrias perante a imúndice e decidiu radicalizar, atirando toda a comida que viu contra paredes e chão. De forma a que o mundo mantivesse o equilíbrio, tais anciãos criaram em simultãneo uma contra-regra: "quem não limpar a sua secção semanal tem de pagar uma multa de 500$".
A ver pelo estado da casa era natural que na caixa das multas estivesse um verdadeiro jackpot. Mas o que é facto é que isso nunca se verificou. A razão é simples: regras e contra-regras são para ser infringidas.
A casa foi assim mantendo ao longo dos anos uma respeitável camada de musgo nas cortinas da casa de banho, uma coloração escura na cozinha por não existir exaustor e uma boa quantidade de sacos do lixo a apodrecer na varanda. A casa poucas vezes foi limpa da forma como deveria ter sido, na qual cada um dos quatro rapazes se responsabilizava por uma secção. O que acontecia era eu limpar a casa toda num dia e noutro dia um dos meus amigos fazia o mesmo. Ninguém avisava ninguém e não havia qualquer escala ou calendário. Se alguém estava a limpar apenas significava uma coisa: alguém iria lá dormir!! E como se compreende, de tudo o que escrevi em cima, quem ia lá dormir não era rapaz.
Hoje foi dia de limpeza cá em casa! Será que amanhã alguém vem cá dormir? Se apostaram que sim então acertaram! Como é que sabiam? Olhem que eu tive uma boa educação!!!!!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A toalha bateu à porta

A semana passada uma toalha bateu à porta. Não deixei de sorrir, mas ao mesmo tempo em que a estendia sobre a mesa, um certa nostalgia apoderou-se de mim.
Passaram quase 9 anos desde que as minhas cunhadas se vestiram de noivas para os meus irmãos. Eu também me engravatei de forma a estar à altura destes dois dias tão especiais. Em ambos os casamentos havia uma toalha a cobrir o altar. Cada uma testemunhou a união de dois amantes perante uma plateia de sorrisos. Essas toalhas ficaram para a eternidade. Hoje vivem nos aparadores das casas deles e de vez em quando são convidadas a sentarem-se à mesa com todos nós. São telas de linho pinceladas a ponto cruz que contam uma história de amizade em forma de agulha e dedal. Há 9 anos atrás eu disse assim: "Ana Maria se até aos 30 anos eu não estiver casado, quero me dê a toalha quando eu os completar".
Na minha viagem pelo mundo gatinhei nos túneis de Cu Chi, caí na Deer Cave, caminhei à volta do Uluru, corri na Bokeo Nature Reserve, saltei à corda no Orfanato Santa Bakhita. Fui bébé, criança, adolescente, jovem e adulto, como o tinha sido nos trinta anos anteriores. A toalha é um marco do tempo. De tudo o que está para trás mas principalmente de tudo o que ainda virá. Com as manchas de vinho tinto e o riso dos meus sobrinhos. Com o calor das travessas e uma partida de king. Com os guardanapos dobrados à moda da avó Hermínia e a pressão dos cotovelos numa qualquer conversa.
A toalha poderá nunca entrar numa igreja. Mas será sempre testemunha de uma vida.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A Penumbra do Adeus

Senti um raro frio naquele tardio amanhecer. A luz não se fazia entender e o girassol do jardim parecia perdido. Tudo se fez num misto de sombras de ilusões. O sono não os deixou acordar embora todos se encontrassem de pé. Os seus corpos embateram em mim da mesma forma que um condenado tomba sobre os joelhos. Não lhes li os olhos e mal lhes senti o pulso. Ainda dormiam quando me despedi deles. Palavras não se ouviram. Apenas lamentos mudos de tanto por dizer. O adeus na penumbra das emoções. Virei costas e as lágrimas caíram. Os seus braços acenaram até eu desaparecer. Espero que tenham voltado para a cama. Quem me dera também eu voltar a dormir. Mas sei que um dia a despedida teria de ocorrer. Eu agora preciso de me afastar deles. Não sei quanto tempo levarei a compreende-los. Mas sei que fazer esse caminho é compreender-me a mim próprio...