sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Saltar à corda

Anda para aí uma moda pegada no que toca a fotografias que eu ainda estou para perceber. Mas o que é isto de se andar a tirar fotografias em que aparentemente se está a voar? Acho que não é preciso ter um canudo de Biologia Aplicada para perceber o significado da palavra “terrestre”.
É pertinente por isso tentar compreender o racional por detrás desses patéticos saltos, que na sua larga maioria nem sequer atingem os 70 cm. Não sei se é apenas influência de uma famosa bebida energética ou se devido a algo de uma maior complexidade. Como não poderia deixar de ser, inclino-me mais para a segunda opção. Mas desta vez confesso que não é pela minha apetência pelas missões impossíveis, mas sim pela falta de credibilidade que a primeira hipótese sustenta. Sei que me arrisco a um certificado de ignorância, mas não posso conceber que alguém realmente acredite, que o touro vermelho ofereça asas. Se fosse uma galinha fuxia ou uma avestruz azul petróleo, não teria quisquer dúvidas que fosse verdade.
A minha teoria explicativa sobre esta complexa questão alicerça em dois pilares: infantilidade e imaginação. Quem nunca brincou a saltar à corda quando era criança? Não me consigo lembrar de actividade mais mobilizadora do que esta. Encontrar o ritmo de salto certo no meio de uma divertida cantilena, é sem dúvida alguma, a melhor receita para uma farta barrigada de riso. E é exactamente esta alegria intemporal que faz com que até os avós gostem de colocar à prova a forma da sua agilidade. O que não se vê efectivamente nas fotografias é a corda, mas o que é facto, é que ela lá está. E o mais fantástico disto tudo é que nem é preciso ter alguém a dar à corda. Antes que os mais cépticos se voltem para o touro vermelho, aqui fica o grande segredo das fotografias: o que as pessoas estão efectivamente a fazer é a divertirem-se a saltar paralelos e meridianos! E é claro que isso merece ser fotografado…

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Amígdalite

Estou a começar a sentir-me bastante doente. A mão ampara a febre, os olhos têm dificuldades em permanecer abertos e a garganta ruge de dor a cada deglutição. Talvez eu descure em demasia a saúde das minhas amígdalas para elas terem necessidade de se revoltar de quando em vez. O que é facto é que o mal já está feito e agora pouco mais me resta a fazer a não ser agonizar até conseguir adormecer. Bem sei que esta maleita poderia rapidamente desaparecer se partilhasse a mesma no Facebook. Parece-me que os dias das pessoas que partilham coisas como "apetece-me chantilly", "nunca mais é sexta" ou "hoje vou ao dentista", tornam-se imensamente melhores com os comentários que a malta vai lá colocar. No entanto, as poucas forças que me restam, apenas me permitem uma coisa só: fazer uma reflexão sobre a causa desta amígdalite. A singular origem do meu mal estar é muito clara: falar de mais. As reguadas da Professora Maria de Lurdes pelos vistos não tiveram o desejado efeito de longo prazo. E bem que eu precisava de aprender a estar calado.
O problema não está na minha qualidade de orador, mas sim na constante tentativa de intervir na vida dos outros. Isto de querer mudar o mundo é uma valente chatice. Eu não consigo parar de vomitar palavras. Mas à quantidade de purgantes verbais que ouço, qualquer dia já vomito monelhos de cabelo. Talvez não fosse pior...
É que há discussões que não levam realmente a lado nenhum e eu teimo em estar no pelotão da frente para as começar! Estou farto do mal estar provocado por estas amígdalites. Lanço por isso aqui um repto a todos os que falam comigo: de cada vez que a conversa comece a dar para o torto obriguem-me a comer um bife duro como uma pedra e cheio de nervos. É uma favor que me fazem, pois enquanto mastigo é certo que não falo, ou não fosse eu um cumpridor das regras de etiqueta...

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sandes de courato

Talvez tivesses tido como almoço uma triste sandes de courato,
Acompanhada por um copo de leite ainda com o IVA a 6%.
Para te aliviares deste uma corrida para junto daquele mato,
Que um dia será convertido em mais um bloco de cimento.

Ainda apertavas a braguilha quando deste pelo meu carro prateado,
Ali junto ao muro do Santa Maria de quem vira para o ISCTE.
Apesar dos riscos e amolgadelas, tinha ar de nunca ter sido roubado,
E até tinha em cima do tablier o último CD do Camané.

Partiste o pequenino vidro de trás e entraste sem pedir licença,
Tomaste a viatura como tua e não te inibiste de pentear o bigode.
E como existem dias em que o crime realmente compensa,
Acabou por te sair a sorte grande quando descobriste o meu ipod.

Imagino que o queiras vender mas convido-te a ouvir as suas músicas,
Onde encontrarás sons de ontem, de hoje e de amanhã também.
Músicas para momentos sérios ou para ocasiões mais lúdicas,
Como é o caso da bem cheirosa feira agrícola de Santarém.

Desfruta muito do Marco Paulo, da Dina e do Tony Carreira,
Do Rancho Folclórico Poveiro e do José Barata Moura.
Excelentes razões para não ires a correr trocar o ipod à feira,
Por uma qualquer bugiganga ou azeitonas a saber a salmoura.

Fico por aqui nestes versos de muito pouca imaginação,
Escritos sem dramatismos e sem grande espalhafato.
Mas não parto sem desejar do fundo do coração,
Que amanhã voltes à tua triste sandes de courato.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Bacalhau à lagareiro

No próximo fim de semana vou fazer um "Bacalhau à lagareiro". Tomei esta decisão no passado sábado enquanto caminhava ao longo da praia. Os armados em sensíveis dirão que o passeio marítimo merece ser honrado com pensamentos mais eloquentes. Eu sei que sim meus queridos, mas a diarreia também pode aparecer enquanto se assiste a um espectáculo de ópera, não é? O que é facto é que enquanto me dirigia para o courts de squash e me cruzava com toalhas estendidas, namorados a apanhar beijinhos e crianças a jogar à apanhada, apenas conseguia lamber os beiços a pensar numa bela posta de bacalhau à lagareiro. O processo mental de tomada de decisão foi bastante simples: “Apetece-me comer bacalhau à lagareiro. Vou cozinhar bacalhau à lagareiro”.
Claro que os armados em modernos considerarão patético eu ter decidido com uma semana de avanço aquilo que irei cozinhar. Mas é exactamente por isso meus fofos que vocês têm de ir ao supermercado às 13h35 porque perceberam às 13h30 que afinal precisam de bechamel ou de champignons.
A minha mãe tratou de me fazer o briefing de como fazer a dita iguaria. Tive algumas dúvidas no atalho que me sugeriu para a confecção das batatas, mas acabei por registar tudo direitinho na minha cabeça. Como nem toda a gente pode privar com uma cozinheira 5 estrelas Michelin, fui pesquisar à internet que gato por lebre anda o povão a comer, no que toca a bacalhau à lagareiro. E não é que a sexta referência na internet no que toca a este prato vem do site do Jamie Oliver? Mesmo que não leve bacalhau, olive oil é certinho...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lucidez calórica

Juntei-me recentemente a um grupo de marginais: os magros! Não foi uma gravidez programada, mas o que é facto é que aconteceu, e estou bastante satisfeito com isso. A Ásia libertou-me de 6 Kg. Não há nada de muito anormal neste acontecimento. Haverá certamente alguma lei da física que explique que para determinadas coisas poderem entrar, outras têm necessariamente de sair. Uma das grandes aquisições da época passada é sem dúvida alguma, o reforço do sentido da urgência, de reduzir determinadas necessidades. Há muito que o Jorge Palma me ilumina com as suas palavras : somos todos escravos do que precisamos, reduz as necessidades se queres passar bem. Assistir à fome in situ é um bom fermento para a interiorização deste caminho. Para o fazer, não precisei de romper o acordo de fidelidade que tenho com as emoções do paladar. Na verdade, esta aliança ficou ainda mais forte, pela adição dos inúmeros sabores diferentes que pude conhecer.
O que é realmente bizarro para muita gente, é o facto de já terem passado 10 meses desde o meu regresso, e não haver forma de eu ultrapassar os 62Kg. A pressão em redor do meu peso começa a atingir níveis preocupantes. Eu neste momento encontro-me em alerta laranja, pois a crer pelas minhas fontes, poderei a qualquer momento, ser alvo de uma tentativa de engorda. As embalagens de Nestum Figos depositados à porta de minha casa são um claro indicador do escalar do problema.
Enquanto mantenho a lucidez calórica e nada de grave me acontece, sinto ser meu dever, partilhar com a comunidade magra, como cheguei a esta situação limite. O meu problema não foi efectivamente o meu peso, mas sim a forma como reagi perante os comentários sobre o mesmo. São incontáveis as vezes que tive de ouvir "estás muito magro, não tens cu para as calças, qualquer dia desapareces". Desculpava-me quase sempre do mesmo modo: "é do cabelo rapado, é o meu estilo asiático, sinto-me bem assim". As minhas respostas eram sempre insatisfatórias e a conversa era invariavelmente rematada com: "agora comes rabanadas de vento, as tuas pernas estão dois palitos, pareces um tuberculoso". A boa educação obrigava-me a assentir com um humilde sorriso. É importante no entanto referir, que estes comentários menos simpáticos foram todos proferidos por mulheres. Como para os homens tudo se pode resumir a um jogo de futebol, nada melhor do que ter como companheiro de equipa, um jogador que mais parece uma gazela à solta.
Coincidiu encontrar uma grande amiga minha num dia em que o habitual jogo de futebol tinha sido cancelado. A minha disposição não era das melhores, e assim que ela disparou à queima-roupa, " - Tu estás só pele e osso!", ripostei de imediato"- E tu estás só carne e gordura".
As minhas acções falam por mim, e não é por isso de estranhar, que tenha a soleira da porta, ocupada por ameçadores pacotes de Nestum Figos. E tudo poderia ter sido evitado caso o jogo de futebol não tivesse sido cancelado...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um café na cidade

Nesta cidade há um café que permanece. Todas as noites se cumpre o mesmo ritual: correm-se as cortinas, tranca-se a porta, baixam-se as luzes. Os clientes são educadamente convidados a sair, os amigos tomam todo o espaço que lhes pertence. Puxam-se cigarros que nunca poderiam ser acesos, riscam-se pentes de sueca em blocos de notas, servem-se bebidas que não estão à venda. Existe todo um acenar de personalidade nestes gestos. A génese da identidade deste café reside nestes momentos de cumplicidade. No voltar à base, na desconstrução da personagem.
Pouco importa se este convívio se resume a breves fugazes instantes. Está lá tudo na mesma, como numa qualquer semente. O ar fica impregnado por um aura de reconhecimento. E é esta brisa que dia após dia cativa os seus clientes.
Por vezes pergunto-me se serei como este café. Cerrando a porta aos clientes deixando-me ficar na familiaridade dos afectos, referências e convicções. Purgando o lixo diário de interacções, no conforto de saber quem realmente sou. Vivendo constantemente suportado por estas terríveis forças de segurança. Cedendo a este poderoso magnetismo invisível que me mantém igual. Passando o tempo a fazer a manutenção das fundações e alicerces. Tudo assim no gerúndio.
Olho para mim e apenas vejo um projecto. Não chego sequer a ser uma obra inacabada. Conheço apenas um leve esboço daquilo que poderei ser. Talvez eu seja um barro difícil de moldar. Mas sou também o oleiro responsável por me criar. E se a decisão me cabe a mim, não quero ser como esse café na cidade...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Terminal 2

A minha vida não cabe nestes textos que por aqui escrevo. Tento mostrar-me ao mundo por entre palavras aprumadas e frases a preceito, mas, tudo aquilo que escrevo, é apenas uma ténue imagem de quem sou. Aquilo que eu gostaria de partilhar, sentir-se-ia demasiado abafado nos meus parcos recursos de língua portuguesa. Nunca conseguiria decantar aqui todos os sucos que jorro a cada dia. Talvez a gramagem do filtro da censura interior seja demasiado elevada. Ou então, talvez existam sensações, que apenas eu consiga absorver. A tentativa de as reproduzir é por isso, apenas um exercício de recreio, não havendo qualquer esperança objectiva que alguém as consiga verdadeiramente interiorizar.
Esta manhã quando me aproximava do aeroporto o taxista perguntou com voz de madrugada: “T1?”. Eu respondi com energia moderada: “T2”. Há medida que o carro procurava lugar para travar definitivamente, dei por mim a estranhar o pouquíssimo alarido em volta do terminal. As minhas suspeitas aumentaram quando o taxista diz “acho que é aqui”. Acertei as contas com o sujeito, passei as portas automáticas e encarei o monitor das partidas. O meu voo não se encontrava lá. Fui ver o que estava escrito no comprovativo do bilhete electrónico e não havia qualquer margem para dúvidas: T1. Sei perfeitamente o que me conduziu ao T2. Pareceu-me ouvir os altifalantes daquele terminal anunciar: Ladies and gentlemens João is back. Fiz uma pequena vénia aquelas paredes e dei caminho aos meus passos.
Já estive em muitos terminais de aeroporto. Poderia contar as vivências de todos eles com excepção do T2. A sua história nunca caberia aqui. Afinal de contas, é de vida que falo...Revi-me enquanto João, agora que sou Bulak. O mesmo pulsar nervoso e inquieto, mas um sangue muito mais fluído e preenchido...ou não fosse o mundo capaz de nos moldar...e de podermos ser felizes...