quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Luz amarela

Sábado passado estaquei à conversa diante de uma maré a subir. Por vezes pergunto-me a razão de debater determinados assuntos. É claro que todos os assuntos são válidos para o debate de ideias, mas quando se está perante alguém, que sabemos concordar a 100% com a nossa opinião, a verdade é que não se aprende nada de novo. Apenas se reforça a crença inicial. Mas o que importa a este texto é a temática de tal conversa: a luz amarela. Eu não a consigo compreender. Nos semáforos toda a gente percebe que a luz amarela funciona como um aviso à navegação, de que nos próximos segundos a luz passará a vermelha. O que eu não consigo efectivamente perceber é a constância da luz amarela nas nossas vidas. Como se a vida fosse uma viagem nocturna iluminada apenas por sinais intermitentes.
Muitas vezes penso se a intermitência da vida, não advirá de uma secreta vã incerteza da morte. A esperança no final feliz é seguramente a última coisa a desaparecer da nossa existência. Ter como dado adquirido que a morte acontece a cada instante, a cada respirar e a cada segundo, talvez seja a melhor coisa que podemos fazer a nós próprios. Para assim vivermos mais certos das nossas certezas, sejam elas de cor verde ou vermelha.
O principal problema da luz amarela e das nossas incertezas é o que as mesmas provocam nos outros. Toda a gente quer estar a verde ou a vermelho e muitas vezes esse estado está dependente das decisões dos outros. Assustador mas incrivelmente assim. O mais criminoso de tudo isto não chega a ser o facto da indecisão em si, mas a total ausência de comunicação que muitas vezes ocorre durante o processo decisório.
Eu também tenho os meus períodos amarelos e também não vivo imune às indecisões dos outros. Sei que todas estas indefinições fazem também parte do pacote. Mas por vezes dá vontade de ser como a Alice do filme Closer...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Apalpar a fruta

Não tenho uma relação muito próxima com a fruta. A minha realização alimentar não advém de um pêssego maduro ou de uma talhada de melão. Como fruta basicamente porque sei que me faz bem. Tenho naturalmente algumas preferências como as cerejas, as amoras e os figos. Em igual medida tenho certos ódios como o kiwi, a papaia e a melancia (aqui utilizo o singular para não ficar já mal disposto). Ser Humano que sou, tenho também os meus momentos em que como tudo o que mexe. É obvio que continuo a falar de fruta apesar de a mesma não possuir aparelho locomotor. Gosto particularmente de comprar fruta na berma da estrada. Fico sempre com a impressão que a fruta foi apanhada naquele instante, mesmo tratando-se de mangas ou ananases, frutas muito típicas da nossa agricultura. Infelizmente não é todos os dias que me cruzo com essas frutarias ambulantes. Tenho por isso de me resignar na maioria das vezes às idas ao hipermercado. Escusado será dizer que não percebo nada no que toca a escolher fruta. Na verdade, aquilo que mais me agrada na poeirenta berma da estrada, é o facto de escolherem a fruta por mim. Nos brancos corredores das grandes superfícies não se encontra esse tipo de atenção. Da mesma forma que pago para me passarem a roupa a ferro, não diria que não no que toca a escolherem a fruta por mim. Não me peçam para apalpar a fruta pois é coisa que nunca irei fazer. É uma competência que não tenho e que não me envergonha por aí além. A minha estratégia passa por isso por confiar no olhar. Não são raras as vezes que me encontro parado a olhar para a fruta como se olhasse para um problema matemático. Invariavelmente, todas as peças de fruta em que pego, acabam dentro do saco. As minhas papilas gustativas farão mais tarde o seu relatório sobre as escolhas efectuadas.
Comecei recentemente a utilizar um critério na escolha da fruta: os autocolantes. Já se terão apercebido que muitas frutas trazem um autocolante na casca. Os autocolantes têm quase sempre a mesma dimensão, variando apenas as cores e o que lá está escrito. Pode ser a marca, o país de origem ou uma mensagem saudável. Depois de várias noites em branco a tentar perceber o porquê de tais autocolantes, cheguei finalmente a uma conclusão. A primeira coisa que pensei foi o seu propósito. Este teria de ser algo de necessariamente bom pra nós, valendo por isso a pena, correr-se o risco de alguém distraidamente engolir o autocolante. A partir deste ponto foi-me bastante fácil perceber o resto. O que o autocolante faz é simplesmente tapar o buraco da minhoca para que esta não possa sair. E toda a gente sabe que a fruta que tem bicho é a melhor de todas...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Adoro cães

Já fui acusado por diversas vezes de não gostar de cães. Nada poderia ser mais falso, mas a verdade, é que não há grande coisa que eu possa fazer para contrariar tais acusações. Nunca irão acreditar que eu também gosto muito de cães. Quem profere tais injúrias são naturalmente pessoas que adoram cães e que não conseguem perceber que eu prefira gatos. Como se já não bastasse os cães andarem sempre a correr atrás dos gatos, há agora esta espécie de caçada em campo aberto aos que como eu, gostam mais de gatos.
Cada qual lá terá as suas razões para justificar as suas preferências. Há até quem diga que, a opção por gatos ou cães, tem reflexo nas escolhas que fazemos para as nossas relações. Mas há também quem diga que o José Castelo Branco é na verdade um homem. Cada um acredita naquilo que quiser. Admitindo por momentos que a preferência por gatos diz muito sobre o género de pessoas que gosto, fará algum sentido perceber alguns traços de personalidade dos gatos com quem vivi. O Buck Rogers entrava em lutas constantes com os rivais vizinhos. Desaparecia dias consecutivos que obrigavam os meus irmãos a constantes operações de busca e salvamento. Nunca se gastou tanto mercurocromo lá em casa como nesse tempo. O Tobias (baptizado em pequeno) decidiu num dia da sua juventude soltar-se da segurança do abraço do dono e enfiar-se debaixo do carro que saía da caragem. O resultado desse gesto foi um olho perdido. Nunca até então um nome tinha feito tanto sentido. O Libório gostava de observar o mundo de uma perspectiva superior. Não era raro encontrá-lo em cima no parapeito das janelas, no telhado do vizinho ou no ramo mais alto da árvore do jardim. A sobriedade dos seus movimentos era arrepiante. Nunca tocaram tantas vezes à nossa campaínha como nessa altura. O Turista e o Xico representavam perfeitamente o chefe e o empregado. O primeiro era um verdadeiro ditador e chegava ao cúmulo de ter de ser o segundo a miar, para nos dizer que o primeiro tinha de ir à rua fazer as suas necessidades. Nunca se partiram tantos bibelot como nesse tempo.
E posto isto em forma de escrita, talvez esteja na hora de comprar um cão...