terça-feira, 30 de junho de 2009

Tempos verbais


Ainda nao preparei o discurso de despedida e a festa ee ja amanha. Sao esperadas cerca de 50 pessoas, a sua grande maioria criancas. Havera espaco para tudo um pouco. Dancas, cantigas e um bom jantar. Espero providenciar esta gente com uma das refeicoes mais nutritivas do ano. E 200 dolares devem chegar para tal feito. Havera arroz, bife, frango e salada. Frutas e pudim.
Recordo uma fotografia semelhante a esta, tirada em Mocambique. Apenas la estive uma semana e nao ha dia em que nao me lembre dos putos. Aqui em Timor, a experiencia foi um pouquinho mais longa. Um mes inteiro com esta gente. Um Big Brother em pequena escala, interrompido apenas por 4 horas para ir aa praia com dois amigos Portugueses. Nao sei bem o que fica de mim aqui. Talvez alguns ja peguem na caneta como deve ser, outros ja saibam ver as horas e outros ainda, ja saibam o que ee passado, presente e futuro. E ee nos tempos verbais que nos apercebemos da relatividade do tempo. Foi, ee e sera!
Decidi comprar uma planta para ficar aqui o orfanato. A planta do Joao. Foi semente, ee um pequeno arbusto, sera uma bela arvore. Foi fantastico, ee uma licao, sera uma das mais belas memorias daquilo a que vulgarmente se apelida de Vida.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Episodios da Vida Romantica

O meu cabelo esta um pouco grande. Ja estava mais que na hora de eu dar um pulo ao meu eterno Ze Manuel na classica Barbearia Eca de Queiros. Nao tenho que me preocupar. Sento-me e apenas tenho de esperar ouvir o classico"Vai ser o costume, Ferreirinha?" ao qual respondo sempre afirmativamente. O Eca nasceu na casa onde hoje ee a barbearia. Talvez por isso me tenha decidido a ler "Os Maias" aqui em Timor. A adolescencia ee demasiado apressada para tal livro, e talvez por isso, mal me recorde, da leitura obrigatoria dos tempos do liceu. E Timor ee o ambiente perfeito para ler o encontro do Carlos da Maia com a Maria Eduarda.
A realidade da Lisboa do antigamente com a realidade do Timor de agora. Nada a ver uma com a outra. Talvez o dress code que se leva para a praia tenha algo em comum. Aqui as raparigas, sejam elas infantes ou adultas, tem de estar na praia vestidas. Nao vao os homens cair em tentacao. Calcoes e t-shirt ee o maximo permitido. Biquinis sao objectos demasiado prevaricadores. Pensei que tal facto pudesse estar relacionado com os mais de 20 anos de ocupacao muculmana. Mas assim nao ee. "Foram os Portugueses que trouxeram isso para ca, e desde entao nunca mudou".
Hoje fui a um centro de saude. Deixei escapar um "puta que pariu" (daqueles bem dados) perante a confusao de tal espaco. E o mais fantastico ee que tenho a certeza que por esse mundo fora, este centro de saude, ee uma unidade de luxo. A Inacia com cotovelos rapidos conseguiu que a Otavia fosse rapidamente vista. Uma Diarreia preocupante que agora parece que virou para Dermatite. Enfim, uma injecao e logo se ve.
Se o Carlos da Maia nao fosse apenas uma figura de ficcao, pergunto-me o que faria nestas cirscuntancias. Medico formado em Coimbra, mas mais preocupado em cortejar a Gouvarinho e a Maria Eduarda. Passear no seu coupe de charuto aceso depois de um pato frio da casa do Crujes.
Estarao estes dois mundos separados pela realidade e pela ficcao? A saber pelas corridas de cavalos privadas que o Xanana faz com o Ramos Orta, enquanto o povo suspira por ter um porco, talvez dissesse que nao. A contemplar as moradias de luxo com piscinas a entrar pela sala, enquanto no quarteirao ao lado vivem centenas de refugiados, talvez dissesse que nao. A ver passar apressadamente as centenas de veiculos topo de gama das ONG a contrastar com as pessoas penduradas do lado de fora das camionetas , talvez dissesse que nao.
Sao estes os episodios da vida romantica que por aqui se vivem!

Benfeitor

Um dos benfeitores do orfanato morreu. Um velhinho holandes que deu dinheiro para construir a cozinha. Para alem da jovem mulher do Sri Lanka, nao tinha mais ninguem em Timor. A morte tem especial valor na cultura Timorense. Pouco importa se ee um familiar, amigo, vizinho, conhecido ou mesmo desconhecido. "O Joao tambem tem que ir ao Hospital. Voce agora pertence ao orfanato. Ee costume Timorense". E la fomos todos vestidos no nosso melhor luto possivel.
Chegados ao Hospital dirigimo-nos para a morgue. Eramos as unicas pessoas la. Nem mulher ou amigos. Apenas nos. 20 criancas e 3 adultos. Esperamos mais de uma hora que a autopsia fosse feita. Entramos depois ainda com a marquesa a deliciar-se com uma bela mangueirada de agua fresca. A gaveta refrigerada abriu-se. Todos quiseram ver de perto e tocar as maos do benfeitor. Rezou-se e agradeceu-se. Viemos embora e o benfeitor continuou sozinho.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Historia simples

Ja comprei bilhete para continuar a minha viagem. Dia 2 de Julho tenho encontro marcado com mais um aviao. O proximo destino ee a Indonesia onde irei encontrar um dos meus melhores amigos. Decidi tratar do bilhete assim que conheci o orfanato. Assim serei obrigado a ir embora e a continuar esta jornada por outras paragens. Ficaria aqui todo o tempo que me separa do reencontro com aqueles que mais quero. Todo os dias novos lacos sao criados com estas criancas. Elas dizem que eu sou bulak (maluco). Por tirar as carracas a cadela, por querer aprender as dancas timorenses, por descascar alhos ao murro, por andar a fazer de fantasta com um lencol e uma lanterna, por lhes enfiar um termometro debaixo do braco ou por andar a passear pela casa enquanto lavo os dentes.
Um dos meus objectivos para Timor era ler. Estou limitado aa biblioteca do orfanato, mas seja como for, nao esta mau de todo: ja dei cabo de 7 livros da coleccao 'Um aventura"e "A confraria" (John Grisham). Ontem encontrei o"Mr. Vertigo"de Paul Auster e hoje ja o darei como terminado. Aproveito a hora da telenovela Indonesia para me refujiar debaixo da rede mosquiteira da minha cama. Sera nesse espaco que irei ler o dossier individual de cada uma das criancas. Toda a sua jornada ate aa chegada ao orfanato. Ja vou sabendo algumas coisas: "o meu pai era chefe de uma aldeia e cortaram-lhe a cabeca numa sexta-feira santa". Cada qual com a sua historia simples...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Timor

Ee mais simples falar da tristeza do que da felicidade. Tenho por isso uma grande dificuldade de traduzir em palavras o que tem sido Timor. Nao irei conhecer Timor. Quero ficar todo o tempo que ca estiver no Orfanto Santa Bakhita. Comer arroz todos os dias, lavar a roupa numa bacia, tomar banho com um balde, rezar a toda a hora, ser apresentado a toda a gente e principalmente rir. Rir muito e a toda a hora. Timor ee uma crianca como as que encontrei no Orfanato. Falta fazer tudo. Quase que morro quando assisto as aulas que sao dadas nas escolas. Quase que rebento de felicidade quando vejo os meus meninos ja a emendar os professores com base naquilo que lhes ensinei. E ha tempo para tudo. Para ensinar a ver horas, a conjugar os verbos, a fazer equacoes e a tocar guitarra. E os jogos dos escuteiros pois claro. Podia falar de cada um dos 31 pares de olhos que me receberam. Em pleno dia da crianca. "- O Joao parece Timorense. Nao estranha nada, esta sempre tudo bem". Ja sou parte integrante. Sou o Mano Joao ou Senhor Ministro. "- Estas criancas vao chorar muito quando o Joao se for embora". Eu tambem.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Saudades do Brasil

As conversas giram todas em torno dos mesmos assuntos: de onde es, onde estiveste, para onde vais, quanto tempo de viagem. Ee o que se fala em ingles. Mas tudo muda quando se encontra alguem que fale a nossa lingua. Especialmente se o interlocutor for brasileiro: "- O Meu nome ee Breno. Ja viu aquela gostosona ali?". Realmente, existem coisas que tem muito mais graca se discutidas na nossa propria lingua. As gajas sao sem duvida alguma a mais interessante de todas as materias. E para isso nada melhor que encontrar um brasileiro para por a escrita em dia. Mesmo numa caminhada matinal em solo sagrado para os aborigenes, ha sempre oportunidade para aprender alguma coisa:"nos brasileiros damos muita importancia aa bunda, por que peito voce pode comprar". Ele cheio de frio e eu cheio de calor. Dois povos irmaos...na sacanagem!