quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Cavalheiros em cuecas

Hoje despertei com um certo incómodo a nível da ventre. Não creio que exista razão para alarme porque este mal estar parece ser da parede abdominal. Ainda bem que assim o é, pois quanto maior a dor muscular, mais perto estarei do meu objectivo: “obterá olhares gulosos femininos.” Cruzei-me com esta excitante premonição numa daquelas revistas para homens. Acompanhei as três últimas edições da mesma revista e estou ansioso que saia o próximo número. Compreendi o quanto nós homens somos obcecados pelos nossos abdominais. As capas das últimas três edições da revista deixam isso muito claro: “consiga o six pack que sempre sonhou”, “abdominais definidos em 28 dias”, “diga adeus à barriga com este novo super plano”. Apesar de um cavalheiro em cuecas invariavelmente ocupar grande parte da capa da revista, estes arrebatadores títulos fazem muito mais por um café do que um cheirinho ou um pau de canela.  

A revista sugere inúmeras dicas para um abdominal perfeito. E para quem tem dúvidas sobre o aspecto do mesmo, não é apenas na capa da revista que se encontra um bom exemplar. Na verdade, se apenas tivéssemos em conta o aspecto visual da revista (vulgo, número de homens em cuecas), eu atrever-me-ia a dizer que a revista talvez fosse mais indicada para mulheres. Embora eu apenas tome um café por dia, pelo pouco que li do conteúdo da revista, não tenho qualquer dúvida sobre qual o público alvo: machos. A testosterona é a matriz comum a todos os artigos. Não é exagero nenhum aquilo que estou a dizer. Pode é não ser imediato, mas a testosterona está lá sempre. A última edição da revista sugere por exemplo uma inocente receita de “camarão com papaia e iogurte”. Coza o camarão, corte cubinhos de papaia, misture a rúcula...Não encontrei um pingo de testosterona na ficha técnica da receita mas depois olhei com atenção para a fotografia: o preparado era servido dentro de um abacate e não de uma papaia, e para além disso, era ainda perceptível a presença de cubinhos verdes de abacate no próprio preparado. Reli atentamente a receita e percebi que teria havido um erro na transcrição da mesma. Acredito piamente que a substituição do abacate pela papaia terá sido feita de forma intencional. A papaia é a necessária intromissão da testosterona na história pois não há fruta a que os machos reajam mais. Pelo modo como esta se lê. É como se tivesse um hífen: “papai-a”.


Apesar do claro engano na receita, parece-me que a substituição do abacate pela papaia poderá efectivamente resultar melhor. É uma receita muito pouco calórica e que em muito poderia contribuir para a definição dos meus abdominais. Conseguiria assim antecipar um olhar guloso feminino por parte da minha mulher mas ao mesmo tempo, parece-me demasiado arriscado cozinhar este prato. Mesmo que apresentasse o prato como “camarão com mamão e iogurte”, ela poderia sempre desconfiar sobre as minhas leituras na biblioteca. Poderá demorar um pouco mais, mas fico-me pelas dores do exercício físico...tudo menos ter de lhe falar dos cavalheiros em cuecas... 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

As dores do crescimento

Eu estava a tentar perceber se existiriam alforrecas na água quando avistei o Pedro a descer as escadas que davam acesso à piscina natural. Embora acompanhado pela sua família, num instante se libertou para junto do Gordo e dos outros rapazes. Claramente todos se conheciam muito bem, mas era óbvio que o Pedro gostava muito do Gordo. Poucos minutos após terem desaparecido, os rapazes regressaram em grande algazarra para o local em que eu me encontrava. Estavam a jogar "à apanhada" e cabia ao Pedro a difícil tarefa de apanhar quem quer que fosse. Os rapazes quando em terra firme se viam apertados pelo Pedro lançavam-se à água. A habilidade dentro de água era a garantia de não serem apanhados. É que o Pedro corria bem mas nadava mal. Os rapazes provocavam o Pedro com mergulhos cada vez mais tardios e próximos dele. Após inúmeras perseguições aquáticas o cansaço e desânimo tomaram conta do Pedro.

Era uma cena difícil de ver e da qual eu parecia ser o único espectador. Pensei alterar o rumo dos acontecimentos a favor do Pedro. Um mergulho inocente a cortar a trajectória de fuga de um dos provocadores teria sido o suficiente. Não sei bem o que terá pesado mais na minha decisão de não intervir. Se a súbita presença de várias alforrecas à tona de água ou se o reconhecimento do quão importante são as dores do crescimento. A minha mãe conta que na noite do meu primeiro acampamento eu estava aterrorizado. Implorei-lhe em lágrimas que me levasse com ela para casa. Partiu-lhe o coração deixar-me ficar no acampamento, mas eu teria de passar por aquilo. Não sei como teria sido a minha vida sem aquela noite naquela tenda. O que apenas sei, é que naquela tenda, fiz amigos para toda a vida. 
A minha resistência em não intervir foi novamente testada poucos minutos depois. O Rodrigo calculou mal o tempo de salto e foi apanhado pelo Pedro. Qualquer pessoa que já jogou à apanhada perceberá o que aconteceu em seguida. O Rodrigo e o Pedro debateram-se no meio da água num "toque e foge" a dois. O Pedro foi o último a tocar e pôs-se de imediato em fuga. O Rodrigo, ao invés de perseguir o Pedro, apenas gritou, “É o Pedro”. O Pedro em fuga respondeu, “É o Rodrigo”.


“É o Pedro.” “É o Rodrigo.” “É o Pedro.” É o Rodrigo”. De ambas as margens se clamava e o jogo permanecia interrompido para grande desespero do Gordo. A tristeza estava estampada na cara do Pedro. Por momentos temi que chorasse. Apesar de as idades serem semelhantes, o Pedro era claramente o mais infantil do grupo. Depois de largos minutos neste impasse, o Pedro assentiu em ser ele novamente a apanhar. Não sei o que o terá motivado a tomar aquela atitude. Nesse momento pareceu-me ligeiramente mais crescido. Assim que o jogo recomeçou, o Gordo deixou-se teatralmente apanhar pelo Pedro. Não se seguiu o tradicional "toque e foge" entre os dois porque o Gordo decidiu dar caça ao Rodrigo. O Pedro sorria penhasco acima. Eu dei o meu mergulho...as alforrecas tinham desaparecido...