Eu estava a tentar perceber se existiriam alforrecas na água
quando avistei o Pedro a descer as escadas que davam acesso à piscina natural. Embora
acompanhado pela sua família, num instante se libertou para junto do Gordo e
dos outros rapazes. Claramente todos se conheciam muito bem, mas era óbvio que
o Pedro gostava muito do Gordo. Poucos minutos após terem desaparecido, os
rapazes regressaram em grande algazarra para o local em que eu me encontrava.
Estavam a jogar "à apanhada" e cabia ao Pedro a difícil tarefa de apanhar quem
quer que fosse. Os rapazes quando em terra firme se viam apertados pelo Pedro
lançavam-se à água. A habilidade dentro de água era a garantia de não serem
apanhados. É que o Pedro corria bem mas nadava mal. Os rapazes provocavam o
Pedro com mergulhos cada vez mais tardios e próximos dele. Após inúmeras
perseguições aquáticas o cansaço e desânimo tomaram conta do Pedro.
Era uma cena difícil de ver e da qual eu parecia ser o único
espectador. Pensei alterar o rumo dos acontecimentos a favor do Pedro. Um mergulho
inocente a cortar a trajectória de fuga de um dos provocadores teria sido o
suficiente. Não sei bem o que terá pesado mais na minha decisão de não
intervir. Se a súbita presença de várias alforrecas à tona de água ou se o
reconhecimento do quão importante são as dores do crescimento. A minha mãe
conta que na noite do meu primeiro acampamento eu estava aterrorizado. Implorei-lhe
em lágrimas que me levasse com ela para casa. Partiu-lhe o coração deixar-me
ficar no acampamento, mas eu teria de passar por aquilo. Não sei como teria
sido a minha vida sem aquela noite naquela tenda. O que apenas sei, é que naquela
tenda, fiz amigos para toda a vida.
A minha resistência em não intervir foi
novamente testada poucos minutos depois. O Rodrigo calculou mal o tempo de salto e foi apanhado pelo Pedro. Qualquer pessoa que já jogou à
apanhada perceberá o que aconteceu em seguida. O Rodrigo e o Pedro debateram-se
no meio da água num "toque e foge" a dois. O Pedro foi o último a tocar e pôs-se
de imediato em fuga. O Rodrigo, ao invés de perseguir o Pedro, apenas gritou, “É
o Pedro”. O Pedro em fuga respondeu, “É o Rodrigo”.
“É o Pedro.” “É o Rodrigo.” “É o Pedro.” É o Rodrigo”. De
ambas as margens se clamava e o jogo permanecia interrompido para grande
desespero do Gordo. A tristeza estava estampada na cara do Pedro. Por momentos temi
que chorasse. Apesar de as idades serem semelhantes, o Pedro era claramente o
mais infantil do grupo. Depois de largos minutos neste impasse, o Pedro
assentiu em ser ele novamente a apanhar. Não sei o que o terá motivado a tomar
aquela atitude. Nesse momento pareceu-me ligeiramente mais crescido. Assim que
o jogo recomeçou, o Gordo deixou-se teatralmente apanhar pelo Pedro. Não se
seguiu o tradicional "toque e foge" entre os dois porque o Gordo decidiu dar caça
ao Rodrigo. O Pedro sorria penhasco acima. Eu dei o meu mergulho...as
alforrecas tinham desaparecido...
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