terça-feira, 26 de agosto de 2014

As dores do crescimento

Eu estava a tentar perceber se existiriam alforrecas na água quando avistei o Pedro a descer as escadas que davam acesso à piscina natural. Embora acompanhado pela sua família, num instante se libertou para junto do Gordo e dos outros rapazes. Claramente todos se conheciam muito bem, mas era óbvio que o Pedro gostava muito do Gordo. Poucos minutos após terem desaparecido, os rapazes regressaram em grande algazarra para o local em que eu me encontrava. Estavam a jogar "à apanhada" e cabia ao Pedro a difícil tarefa de apanhar quem quer que fosse. Os rapazes quando em terra firme se viam apertados pelo Pedro lançavam-se à água. A habilidade dentro de água era a garantia de não serem apanhados. É que o Pedro corria bem mas nadava mal. Os rapazes provocavam o Pedro com mergulhos cada vez mais tardios e próximos dele. Após inúmeras perseguições aquáticas o cansaço e desânimo tomaram conta do Pedro.

Era uma cena difícil de ver e da qual eu parecia ser o único espectador. Pensei alterar o rumo dos acontecimentos a favor do Pedro. Um mergulho inocente a cortar a trajectória de fuga de um dos provocadores teria sido o suficiente. Não sei bem o que terá pesado mais na minha decisão de não intervir. Se a súbita presença de várias alforrecas à tona de água ou se o reconhecimento do quão importante são as dores do crescimento. A minha mãe conta que na noite do meu primeiro acampamento eu estava aterrorizado. Implorei-lhe em lágrimas que me levasse com ela para casa. Partiu-lhe o coração deixar-me ficar no acampamento, mas eu teria de passar por aquilo. Não sei como teria sido a minha vida sem aquela noite naquela tenda. O que apenas sei, é que naquela tenda, fiz amigos para toda a vida. 
A minha resistência em não intervir foi novamente testada poucos minutos depois. O Rodrigo calculou mal o tempo de salto e foi apanhado pelo Pedro. Qualquer pessoa que já jogou à apanhada perceberá o que aconteceu em seguida. O Rodrigo e o Pedro debateram-se no meio da água num "toque e foge" a dois. O Pedro foi o último a tocar e pôs-se de imediato em fuga. O Rodrigo, ao invés de perseguir o Pedro, apenas gritou, “É o Pedro”. O Pedro em fuga respondeu, “É o Rodrigo”.


“É o Pedro.” “É o Rodrigo.” “É o Pedro.” É o Rodrigo”. De ambas as margens se clamava e o jogo permanecia interrompido para grande desespero do Gordo. A tristeza estava estampada na cara do Pedro. Por momentos temi que chorasse. Apesar de as idades serem semelhantes, o Pedro era claramente o mais infantil do grupo. Depois de largos minutos neste impasse, o Pedro assentiu em ser ele novamente a apanhar. Não sei o que o terá motivado a tomar aquela atitude. Nesse momento pareceu-me ligeiramente mais crescido. Assim que o jogo recomeçou, o Gordo deixou-se teatralmente apanhar pelo Pedro. Não se seguiu o tradicional "toque e foge" entre os dois porque o Gordo decidiu dar caça ao Rodrigo. O Pedro sorria penhasco acima. Eu dei o meu mergulho...as alforrecas tinham desaparecido...

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