quinta-feira, 26 de julho de 2012

A velha gelataria


Abraçado a Ela, entrei. Um longo dia no areal brilhava na nossa tez morena. Tudo naquela pequena vila sinalizava a estação do calor. As esplanadas repletas de conversas, as toalhas garridas nas varandas, os sacos de carvão à venda. Deparei com a velha gelataria encerrada. A bolacha caseira e as bolas de amora assim perdidas. Uma morte anunciada a cada Verão pelo já descolorado “Passa-se” que pendia na janela. Portas trancadas e ausência de sinais vitais. Disse a mim próprio que talvez me tivesse enganado na rua numa tentativa de suavizar a minha desilusão. Mas não havia dúvidas que era aquela a esquina dos meus gelados preferidos.
A vila estava agora diferente da que recordava. Claramente mais pobre. A gelataria era a alma daquela terra. Como o coliseu em Roma, os leões no Serengeti, o caril na Índia. Ela que me abraçava, ficou também mais pobre, privada dos sabores que eu tanto lhe tinha prometido. A pequena vila pulsava agora das novidades que aí se tinham estabelecido:  o padeiro alemão,  a nova pensão, a loja em que entrei abraçado a Ela. Na montra plantada em frente à antiga gelataria cintilavam diferentes artigos de Verão: os colares e as pulseiras, os óculos de sol e os chapéus, as túnicas e os chinelos. Talvez a localização da loja tivesse sido decidida a pensar em mim. Como que um abraço à melancolia de todos aqueles que encontravam a velha gelataria encerrada. A loja convidava a entrar, não tanto pelo que podíamos lá dentro encontrar, mas por um qualquer equilíbrio magnetizador em que tudo se achava. Abraçado a Ela, aproveitei a oportunidade para comprar uns chinelos novos. Nem a melhor recauchutagem poderia acudir aos chinelos que calçava. Seis anos de existência e meio mundo calcorreado, tornavam óbvia a fidelidade à marca. Optei por um modelo exactamente do mesmo formato. Não havia por isso quaisquer dúvidas em relação ao tamanho. Em relação aos chinelos que suportavam o peso do meu corpo pela última vez, só se encontravam duas diferenças: a cor e o estado em que se encontravam. Apesar de todas as certezas (marca, modelo e tamanho) decidi experimentar os novos chinelos. Uma prova dos nove que se revelou obviamente desnecessária pois os chinelos serviam na perfeição. A única barreira que ainda impedia que os novos chinelos encontrassem morada imediata nos meus pés era acertar as contas com a funcionária da loja. Enquanto tirava o dinheiro da carteira, Ela com quem entrei abraçado na loja, perguntou: “Vais mesmo levar esses chinelos?”. “Claro que sim”, respondi eu. Ela anuiu com um “Ah, ok”. Vi uma certa incredulidade na sua expressão e inquiri-lhe os pensamentos. “É que os chinelos não te servem. São pequenos.”. Se alguém conhecia os meus pés, esse era eu. Já estava preparado para lhe dizer - “Estás ver como são os outros?” - quando enfiei os dedos nos chinelos que me deu a experimentar. Apenas consegui verbalizar um “Obrigado” porque aquele sim, era o meu tamanho.
Saí da loja abraçado a Ela e sorri para a velha gelataria uma última vez. Desta vez mais rico do que quando cheguei, pois afinal de contas, agora sabia um pouco mais sobre mim próprio.  E foi por elas que o descobri. Pela velha gelataria e por Ela que me abraçava…

1 comentário:

Anónimo disse...

Ninguém disse cheira a xulé?