terça-feira, 24 de março de 2009

21 de Setembro de 2007 a 1h40 de Joanesburgo

Cheira a café, mas há muito tempo que vou acordado. Já se sente um certo movimento no avião e o sossego das horas voadas confunde-se agora com aquele espreguiçar de quem tem ainda muito para dormir.
Não sei se cheguei a dormir. Não me lembro. E eu que sempre me dei bem com aviões. Mesmo num Lisboa-Madrid dava para fazer uma siesta.
Estou extremamente tranquilo. Nem parece que estou a ir para Moçambique. É demasiado calmo. Se calhar é por já ter ouvido José Cid. Deve ser isso. Ou então foi por que conheci a D. Guilhermina. 50 anos e uma história para contar.
Casou aos 19 anos com um português operador de máquinas pesadas. Após o 25 de Abril vêm para Portugal. Ela professora, é colocada na função pública a trabalhar no SEF de Castelo Branco. É aí que engravida. O filho é técnico informático no Corte Inglês e "já comprou casa". O marido corre o mundo a trabalhar e a sua empresa paga as deslocações à D. Guilhermina para estar com ele: Madeira, Porto Santo, Guiana Francesa, Brasil...
Um dia o marido foi e nunca mais voltou. Ficou com uma brasileira. Já lá vão 15 anos. "Vocês os homens, e desculpe que lhe diga, são muito tristes. Sempre pensei que o casamento era para a vida".
A brasileira engravidou e ele quis vir para Portugal. Trás a brasileira já com o filho dele e não conseguem o visto para ela...já vos disse que a D. Guilhermina trabalha no SEF?
"Os pais dele ignoraram-no. Os meus sogros são os meus pais. Agora tenho uma quinta e uma casa no Fundão".
Não faço ideia como é África apesar de estar a sobrevoa-la há já algum tempo. Mas esta senhora, esta alegria e tranquilidade, são qualquer coisa de transcendente. A maneira como fala da vida é incrível: "A reforma aos 50 anos é apenas uma oportunidade de trabalhar noutras coisas".
Falamos das músicas que cada um tinha no seu MP3 e não é que a D. Guilhermina gosta muito de fado? Claro que ouviu o "meu fado" todo enquanto eu via os Piratas das Caraíbas 3. De rir.

Para sempre na minha memória a transparência do seu olhar: "Já passou, mas aquilo não se deveria ter passado".
Talvez nos encontremos na Beira. "A chuva que lá cai é apenas para dar banho aos macacos".

"There's four new colors in the rainbow. An old man's taking polaroids. But all he captures is endless rain, endless rain. He says listen, takes my head and puts my ear to his. And I swear I can hear the sea...Sometimes, when I look in your eyes I can see your soul" - James

1 comentário:

Anónimo disse...

Este post está profundo. Gostei muito!