segunda-feira, 30 de março de 2009

A grande evasão

Saí de mim. O meu corpo ficou para trás. Eu continuei. Não sei o que sou mas sei que continuo a ser. Arrisco a morte. Já não sou matéria. Sou apenas eu. Procuro-te. Quero chegar a ti sem as rugas da minha fronte. Assim não levo o meu passado. Não levo as marcas desses rios salgados que tantas vezes nasceram nos meus olhos. Sou apenas agora. Sou o que era antes de ter nascido. Sou o desejo. Apenas isso. O desejo dos amantes que me fizeram. A vontade de me terem. É isso que sou. É isso que quero dar-te. Apenas essa sensação. A primeira ideia.
Percorro o espaço que nos separa. Uma caravela portuguesa acena-me. Não a de mastros em riste que descobriu as índias. Apenas o simples ser que nasceu do mar. Physalia physalia é como os sistematas a baptizaram. É uma bailarina. Dança em pontas. Os corais enchem-se de público para a ver. Translúcida como os teus olhos. Longa como os teus cabelos.
Ouço os pica-paus no cimo da árvores. Saltam de ramo em ramo. Bordam o teu nome à minha passagem. É impossível perder-me. São eles que me conduzem. Também eles querem fazer parte da grande evasão. Que percussão incrível que ressoa da madeira. Maiores, menores, bemóis e sustenidos. Como o barulhinho que fazes ao espreguiçar. A doçura da tua voz.
Uma turma de abelhas passa por cima do meu ombro e incentiva-me a continuar."Vai que ela é tua. Ela também se evadiu". Sempre senti que terias a coragem de te evadir. Mas agora rio. Rio tanto. Todos riem. Continuo o meu caminho pelo trilho deixado pelas abelhas. É um campo de flores. Estão tão felizes. Percebo que foram beijadas. E imagino o recorte da tua boca. O desenho dos teus lábios que quero abraçar.
Agora encontro-me sozinho. É um deserto de areia branca. Vejo os passos da minha sombra. As dunas fazem uma coreografia ao sabor da ventania. Indicam-me o caminho para ti. Abrem alas e galerias. Mergulho na areia. Pulo, danço e corro. Sinto que estou já tão perto.
Aí estás tu. Já te consigo ver. Cada passo mais se encurta a distância entre nós. E que viagem fizemos meu amor. Dás-me uma flôr que foi beijada. Eu dou-te a minha mão. Já estamos juntos. Nada nos pode deter. Já podemos ser corpo outra vez. Deixamos de ser quem pensavamos ser. Evadimo-nos para podermos chegar a quem verdadeiramente somos. Agora sim somo Eu e Tu. Tu e Eu. Somos Nós.

1 comentário:

D.Kichote disse...

Quueeeeemmm???