quarta-feira, 16 de julho de 2014

Trovoada

As torradas da Biblioteca da Póvoa de Varzim em bom rigor não poderão ser consideradas como verdadeiras torradas. Sim senhor são compostas exclusivamente por pão, confirmo a utilização da torradeira e garanto o clássico sabor a manteiga. O problema é temporal: o pão utilizado nessas torradas, é o do próprio dia. E este facto tem obviamente um impacto determinante no resultado final. Conhaque é conhaque, champanhe é champanhe. As melhores rabanadas são as do dia seguinte à fritura e o peixe para a grelha só mesmo o apanhado naquele dia. Muitos mais exemplos poderia apresentar que validam a importância da questão temporal. Fica por isso claro que não se trata de uma embirração da minha parte para com as supostas torradas da Biblioteca da Póvoa de Varzim. Os idos tempos de estudante há muito já lá vão.  E boa verdade não me recordo da última vez que terei entrado em tal espaço municipal. Apesar de lembrar as torradas do modo que descrevi, admito que entretanto possam ter havido melhorias a nível da cafetaria. Nem que mais não seja, para podermos chamar as coisas pelos nomes correctos.

A minha semana laboral tem lugar na Biblioteca de Oeiras onde não existe qualquer cafetaria. Duas máquinas de snacks e uma máquina de café, asseguram as necessidades humanas fundamentais a quem lá anda. Estão igualmente disponíveis duas casas de banho para a concretização de outras necessidades básicas. Curiosamente, e abro aqui um parênteses,  as máquinas de alimentação, encontram-se localizadas a menos de quatro metros das portas dos WC. A justificação para tal proximidade parece-me óbvia: uma coisa pode levar à outra ( independentemente de qual a primeira). O  que aqui efectivamente me interessa relatar diz respeito a outra necessidade fundamental: o sono. A satisfação desta necessidade básica é a verdadeira missão de qualquer biblioteca. A Biblioteca de Oeiras, neste capítulo, é um modelo de excelência a copiar. Como se já não bastasse o silêncio aterrador da pesada  literatura e os gélidos olhares das bibliotecárias perante o mínimo espirro, a Biblioteca de Oeiras, para além de mesas e cadeiras, disponibiliza pufes para as pessoas estirarem. Mais uma vez, também a localização dos pufes, foi estrategicamente pensada: nos tranquilos corredores que existem entre as diversas estantes de livros. Os pufes são por isso altamente procurados por quem necessita de satisfazer uma das suas necessidades básicas.

Como não tenho muitas ideias quando estou a dormir não vejo qualquer beneífio na utilização dos pufes. Não só não utilizo os pufes, como também levo as minhas refeições para a biblioteca. As ideias que tenho, umas mais parvas que outras, apesar de serem imensas, não preenchem naturalmente, a totalidade da minha atenção. Já vou reconhecendo por isso algumas das caras que frequentam a Biblioteca. Há um rapaz que todos os dias se estende no mesmo pufe. A mesa em que me costumo sentar, é próxima o suficiente do pufe no qual o rapaz invariavelmente se encontra, de modo que já conheço alguns dos seus movimentos. Para além de um computador portátil no colo e de meia dúzia de cardernos pelo chão, pouco mais há a apontar. Não pude foi igualmente deixar de reparar, que o rapaz do pufe, é um adepto confesso das máquinas de snacks e café.  

Uma desgraça poderá estar por isso prestes a acontecer. Na verdade, prestes a fazer-se ouvir. A associação, da malemolência própria do pufe, com a qualidade dos géneros alimentares daquelas máquinas, certamente resultará, num muito pouco mudo, processo digestivo. A vergonha desta sonoridade poderá justificar uma descarada mentira. Afinal de contas, qualquer pessoa que já tenha experimentado um pufe, tem noção da música que este sugere a cada movimento nosso. Seria por isso muito fácil, sugerir que a trovoada intestinal, não fosse mais do que um acorde musical do pufe. O problema é que eu estarei por perto... e se não deixo passar as supostas torradas, certamente que não será necessário um relâmpago para comprovar o fenómeno da trovoada...

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