terça-feira, 14 de outubro de 2014

Síndrome da bata branca

O hospital é a casa mãe das emoções. É a casa da partida e, na grande maioria das vezes, a última das moradas. A casa da partida e de chegada são os dois pólos que demarcam a amplitude das emoções. O que acontece de permeio, são apenas singelas aproximações às emoções sentidas quando perante estes dois extremos: nasceu, morreu. Apesar de o regresso à casa mãe estar previsto para que ocorra tarde no tempo, infelizes aqueles que, por infortuna e aleatória programação, têm de regressar precocemente ao hospital. Os profissionais de saúde são os mensageiros dessa miríade de emoções que se vive no hospital. Notícias tristes; alegres; esperançosas.

Grande parte da minha actividade profissional tem sido vivida no hospital. O meu trabalho mostrou-me particularmente bem a realidade do enfarte agudo de miocárdio e do acidente vascular cerebral (AVC). Estes dois graves acontecimentos, são a máscara que cai de uma série de doenças quase que invisíveis e indolores. São episódios súbitos carregados de dramatismo pela urgência a que obrigam e pelo desfecho que podem ter. As emoções que acompanham estes dois eventos médicos são por demais evidentes.

Um profissional de saúde é muito mais para além daquilo que efectivamente faz. A sua simples aparição traduz-se invariavelmente na acalmia do doente. Uma médica confirmou-me um dia aquilo que eu próprio suspeitava que se passaria em situações como o enfarte ou o AVC:  “Os doentes quando vêem a minha bata branca ficam imediatamente mais tranquilos”. Apesar de eu nunca ter passado por nenhuma situação de saúde grave, os relatos que escutei de inúmeros profissionais de saúde e tudo aquilo que observei nos corredores hospitalares, levam-me a crer que as coisas se passarão mesmo assim.

A cor branca numa peça de vestuário com a identidade de uma bata resulta assim numa automática reacção de relaxamento.  Este “síndrome de bata branca” não é de todo exclusivo dos médicos. Por alguma razão, os restantes profissionais de saúde que vemos nos hospitais (salvo excepções locais), estão vestidos de branco: enfermeiros; farmacêuticos; técnicos de análises clínicas. A bata branca está igualmente presente noutras áreas ligadas à saúde como as clínicas dentárias, ópticas ou centros de fisioterapia. O propósito é sempre o mesmo.

Os meus amigos referem muitas vezes a sorte que tenho pelo facto de estar casado com um médica. Naturalmente que reconheço as inúmeras vantagens que esta união oferece, mas esta também traz um grave problema: o síndrome da bata branca no lar. Não são raras as vezes que a minha mulher veste a bata branca em casa. Isto resulta tal e qual como num doente. Quando perante a bata branca dela não consigo mais criticar o pouco picante da comida, escolher o destino de férias que desejo ou ver jogo do Porto da liga dos campeões. Estou por isso totalmente refém da estratégia da bata branca. 

O mais doloroso é que este síndrome da bata branca não funciona no sentido inverso. Um deste dias apresentei-me na cozinha vestido com a bata branca dela e aquilo que escutei foi o seguinte:

 - Essa bata fica-te mesmo bem. Pareces mesmo um talhante. Se não te importas, arranja então tu o frango.

A minha expectativa é que um destes dias ela me veja de bata branca e julgue que sou uma cabeleireira...


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