O hospital é a casa mãe das emoções. É a casa da partida e,
na grande maioria das vezes, a última das moradas. A casa da partida e de
chegada são os dois pólos que demarcam a amplitude das emoções. O que acontece de
permeio, são apenas singelas aproximações às emoções sentidas quando perante
estes dois extremos: nasceu, morreu. Apesar de o regresso à casa mãe estar previsto
para que ocorra tarde no tempo, infelizes aqueles que, por infortuna e aleatória programação, têm de regressar precocemente ao hospital.
Os profissionais de saúde são os mensageiros dessa miríade de emoções que se
vive no hospital. Notícias tristes; alegres; esperançosas.
Grande parte da minha actividade profissional tem sido
vivida no hospital. O meu trabalho mostrou-me particularmente bem a realidade do
enfarte agudo de miocárdio e do acidente vascular cerebral (AVC). Estes dois graves
acontecimentos, são a máscara que cai de uma série de doenças quase que
invisíveis e indolores. São episódios súbitos carregados de dramatismo pela
urgência a que obrigam e pelo desfecho que podem ter. As emoções que acompanham
estes dois eventos médicos são por demais evidentes.
Um profissional de saúde é muito mais para além daquilo que
efectivamente faz. A sua simples aparição traduz-se invariavelmente na acalmia do
doente. Uma médica confirmou-me um dia aquilo que eu próprio suspeitava que se
passaria em situações como o enfarte ou o AVC: “Os doentes quando vêem a minha bata branca
ficam imediatamente mais tranquilos”. Apesar de eu nunca ter passado por nenhuma
situação de saúde grave, os relatos que escutei de inúmeros profissionais de
saúde e tudo aquilo que observei nos corredores hospitalares, levam-me a crer
que as coisas se passarão mesmo assim.
A cor branca numa peça de vestuário com a identidade de uma
bata resulta assim numa automática reacção de relaxamento. Este “síndrome de bata branca” não é de todo
exclusivo dos médicos. Por alguma razão, os restantes profissionais de saúde
que vemos nos hospitais (salvo excepções locais), estão vestidos de branco:
enfermeiros; farmacêuticos; técnicos de análises clínicas. A bata branca está
igualmente presente noutras áreas ligadas à saúde como as clínicas dentárias,
ópticas ou centros de fisioterapia. O propósito é sempre o mesmo.
Os meus amigos referem muitas vezes a sorte que tenho pelo
facto de estar casado com um médica. Naturalmente que reconheço as inúmeras
vantagens que esta união oferece, mas esta também traz um grave problema: o
síndrome da bata branca no lar. Não são raras as vezes que a minha mulher veste
a bata branca em casa. Isto resulta tal e qual como num doente. Quando perante
a bata branca dela não consigo mais criticar o pouco picante da comida,
escolher o destino de férias que desejo ou ver jogo do Porto da liga dos
campeões. Estou por isso totalmente refém da estratégia da bata branca.
O mais
doloroso é que este síndrome da bata branca não funciona no sentido inverso. Um
deste dias apresentei-me na cozinha vestido com a bata branca dela e aquilo que
escutei foi o seguinte:
- Essa bata fica-te
mesmo bem. Pareces mesmo um talhante. Se não te importas, arranja então tu o frango.
A minha expectativa é que um destes dias ela me veja de bata branca e julgue que sou uma cabeleireira...