segunda-feira, 24 de maio de 2010

Encontros na cidade

A forma como aquele olhar me fixava era perturbante. Naquele primeiro encontro apenas consegui articular um pensamento:
"- Quem será esta mulher?"
Uma estranha sensação de familiaridade invadia o meu espírito. Senti que a conhecia. De outro tempo, de outro lugar. Como se ela sempre tivesse caminhado junto de mim, mas até então, eu nunca a tivesse realizado. Seria este o meu destino? As linhas traçadas da minha mão estariam finalmente a revelar-se?
A cumplicidade daquele primeiro olhar encarcerou-me de imediato. A partir desse momento comecei a encontrá-la por todo o lado. O mundo parecia inclinado para os nossos encontros. Tudo em volta acontecia sempre de forma distinta. Chuva, buzina, polén, passeio. Riso, corrida, frio, pão. Fila, gravata, barba, obras. Variáveis infinitas a contrastar com a certeza daquele olhar de azul indecifrável. Algo no meu cérebro me despertava do torpor rotineiro da minha vida. Era sempre aquela mulher. Mais e mais ela.
Comecei a conhecer a minha vida a partir dos nossos fugazes encontros. Nunca soube o seu nome, nunca ouvi o som da sua voz. Apenas observei a minha vida projectada no brilho da sua presença. A espaços vencia a timidez e acenava-lhe um cumprimento. A sua expressão mantinha-se sempre impassível e enigmática. Como se a nossa relação estivesse talhada ao silêncio da intimidade. Não compatível com palavras. Éramos apenas algo em comum. Passageiros do mesmo voo. Espectadores do mesmo filme. Clientes do mesmo café.
Apercebi-me da sua ausência assim que saí de casa. Procurei-a por todos os locais em que tínhamos vivido a nossa história mas não a encontrei. Aventurei-me por ruas da cidade que desconhia numa vã expectativa de a ver novamente. Nunca mais a vi. A mulher de quem nunca soube o nome ou ouvi a voz. Sei apenas que tivemos uma história de olhares partilhados nas ruas da cidade. Eu um andarilho sem rumo, ela uma fotografia de um outdoor.

1 comentário:

SIL disse...

Ainda nao consegui perceber, mas existem pessoas que mesmo sem nunca ter falado com elas, sempre que as vejos, desemcadeiam um conjunto de reacções que vão desde ao embaraço, ao medo, ao frio, ao bem estar...sei lá. Simplesmente não me ficam indeferentes e tudo por causa de um gesto, ou de um olhar. Mais uma vez se confirma...uma imagem vale mais que mil palavras.