quarta-feira, 26 de maio de 2010

Momento de Glória

A minha aderência à Via Verde foi uma imposição da minha entidade patronal. Assim não há cá perdas de tempo, pois a produtividade é uma coisa muito séria. Poderia utilizar a Via Verde fora do contexto profissional, mas o que é facto, é que não o faço. Julgam-me um verdadeiro fundamentalista das portagens. O assunto vem à baila frequentemente e os meus interlocutores ficam sempre muito perturbados com os meus argumentos. É quase como um daqueles casos de constrangimento que por vezes nos acontecem. A imagem por exemplo de dois homens de barba rija a beijarem-se calorosamente em plena rua, provoca um certo incómodo a muita gente. O meu chocante argumento relativamente às portagens nada mais é do que "não perco qualquer tempo". Dentro das microcasas das portagens vive um coisa: pessoas. Gente exactamente igual a mim. Os diálogos mais extensos que normalmente se tem com os portageiros resumem-se a combinações de 3 frases: "Bom dia, tarde, noite", "Boa viagem", "Obrigado". Pontualmente poderá haver um "Bom Natal", "Não tem 50 cêntimos", "Como é que apanho a A8". Na sua generalidade, as conversas andam à volta disto.
Para além de outros disparates que por vezes me ocorrem dizer, há uma frase que acrescento sempre no final das conversas que tenho com os portageiros: "Bom trabalho". A reacção é sistematicamente a mesma: encaram-me com um olhar de agradecimento e eu presentei-os sempre com um sorriso e com uma piscadela de olho. Estas ditas paragens dão-me uma alegria imensa.
Hoje acordei a todo o vapor. Cheguei num ápice ao escritório, engoli o pequeno almoço e comecei a trabalhar a mil à hora. Falei com este, mandei mail aquele, telefonei a outro. Da parte da manhã estive praticamente ausente de qualquer assunto que não de trabalho. Estava tão concentrado que por vezes nem ouvia o que me estavam a dizer, quando o assunto não fosse o meu projecto. A minha cabeça estabelecia prioridades, tomava decisões, previa cenários. A determinada altura estou sentado com a minha chefe na sua secretária a fazer umas contas importantes, quando me parece ouvir o meu telefone fixo. Corri para o telefone mas não cheguei a tempo. Não me escusei de mandar uma rabecada ao meu colega do lado "- Então não me dizias que o era o meu telefone?". Regresso às contas e desta vez toca o telemóvel. Era o recepcionista do escritório. Eu estava para lá de Bagdad e não percebi nada do que ele me disse. Apenas fixei que estava alguém na recepção para falar comigo. Achei a situação estranhíssima pois eu não tinha agendado nada. Fui a correr até à recepção pois não tinha um segundo a perder. Ainda com a cabeça a fazer contas cheguei à recepção. A primeira coisa que vi foi um mensageiro de uma transportadora debruçado sobre o balcão. Pensei que ele talvez pudesse ter algo para me entregar, mas o recepcionista indicou-me uma outra pessoa. Avistei então alguém que se encontrava de pé e de braços cruzados. Dirigi-me a essa pessoa com a maior estranheza deste mundo "Tem a certeza que é comigo?". Quem me esperava era alguém que eu nunca tinha visto ou falado. Apenas alguém que eu sabia existir. Aos três minutos e quarenta segundos de conversa, a barreira do "você" já tinha ido à vida. Não falámos mais de cinco minutos. Esta paragem teve um efeito muito semelhante às paragens da portagem: se de manhã estive a todo o vapor, depois daquele momento de Glória, passei a estar em modo Houston, we've a take off .

3 comentários:

Z disse...

Por falar em portagens, já sabes que os portageiros vão acabar?? a brisa ja anunciou que vai passar tudo a máquinas muito em breve.....as tuas viagens agora vão ser muito mais tristes! ;)

SIL disse...

As surpreses surgem quando menos esperamos...e essas são as melhores :)

Anónimo disse...

Como alguém de braços cruzados, pode fazer com que trabalho passe a prazer?!