segunda-feira, 24 de maio de 2010

A fala do vilão

Hoje, enquanto lia as notícias do meu mundo, cruzei-me com uma frase perturbante. Amargo suspiro de cansaço? Vida ocupada por tempo indesejado? Saturação num mundo de entropia? Ou então nada disto. Afinal de contas, a minha falta de interpretação, sempre se refletiu em notas medianas a língua portuguesa. Não imagino as motivações de quem escreveu aquela frase. Nem sequer me atrevo a adivinhar se tal frase visaria alguém em concreto. A única coisa que sei é que não é nada comigo. Neste caso sou apenas um espectador atento às peças de teatro que cada um vive. Mas e se por acaso não fosse assim? Se no universo das vidas paralelas, fosse eu o objectivo daquela deixa? Que poderia eu fazer perante a força daquelas palavras? Estou a anos-luz de distância de perceber que cena foi ali representada. Anos-luz em termos da minha condição humana, pois se fosse a minha condição extraterreste, a distância de entendimento seria bem mais curta.
Seria então eu o vilão desta encenação, a razão de tal desabafo, a voz desafinada daquele canto. Esta seria a minha fala.

"Hoje a minha casa cheira a alfazema. É um aroma que conheço demasiado bem. Não posso dizer o mesmo dos teus cabelos, sabes? Por vezes reconheço gente do passado em corpos do presente. Fragâncias inesquecíveis de vida partilhada. Gostava de poder dizer-te o que me fez querer decorar o cheiro dos teus cabelos. Infelizmente não o consigo fazer. Eu próprio não o sei.
És apenas uma estranha para mim. Não sabes absolutamente nada a meu respeito. Da mesma forma que nada sei sobre ti. Algo no entanto me impele a fazer-te perguntas continuamente. Sei que já estás farta de tanto ponto de interrogação. Gostava de o poder evitar, mas é o meu sinal de pontuação preferido. Mas compreende que a minha curiosidade não és tu. O que me motiva é descobrir o meu caminho. E sinto que tenho de percorrer em ti parte desse caminho. Poderei estar errado como o estive tantas outras vezes. Mas o desnorte também faz parte da escolha da partida.
Recordo os nosso diálogos. Imagino os teus sorrisos sem sequer os ter visto. Tudo isso através das palavras que ao longo do tempo foste escrevendo. Também tu utilizaste o ponto de interrogação, lembras-te? Pensei que também estarias a fazer parte do teu caminho em mim. O que terá alterado o azimute da nossa rota? Terá sido algo que eu disse? Tenho ainda bem presente tudo o que te disse. Como folhas perenes a resistir à ventania. Não tens de ter medo daquilo que te disse. Muito menos de sentires qualquer espécie de obrigação. Os presentes dão-se, os presentes não se retribuem.
Eu sou assim, sabes? Não posso guardar as palavras. Já guardo os gestos em demasia. Nunca o poderia fazer com as palavras. Se o último suspiro viesse agora, ainda teria tanto para dizer a tanta gente. É incrível pensar nisso. Ainda tenho por dizer tantos amo, desculpa, parabéns, obrigado. Demasiados. E ao mesmo tempo já o faço tantas vezes. Vivo imensamente assim. Não imaginas o meu cordão afectivo. Talvez tu não saibas, mas um dia irás perceber, que o tempo é demasiado curto, para elogiarmos quem temos nas nossas vidas. Eu apenas te quis dar as boas-vindas ao grupo de pessoas que sempre me farão falta. Em qualquer lugar do mundo, em qualquer vida paralela. Atravessar essa porta só te diz respeito a ti. E mesmo que não a atravesses, lançar-te-ei o meu melhor sorriso da soleira do meu mundo"

Nunca saberemos o que esta fala faria junto de quem forjou aquela frase. Tratando-se de um exercício de imaginação, cada qual que faça o seu epílogo.

1 comentário:

nocas disse...

“He taps at my window
willing that I let him in …”